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Sinopse

Quando a crise se aprofundou no Brasil, os estudantes saíram às ruas e ocuparam escolas protestando por um ensino público de qualidade e uma cidade mais inclusiva. A evolução das lutas estudantis desde as marchas de 2013 até a vitória do presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Crítica

Uma boa parcela da pungência de Espero Tua (Re)Volta advém da preocupação da cineasta Eliza Capai com a manutenção de uma perspectiva jovem, especialmente quanto a certos movimentos de cunho secundarista que visaram manter os direitos de milhares de estudantes do ensino público. Lucas “Koka” Penteado, Marcela Jesus e Nayara Souza não são apenas os narradores e/ou os protagonistas do documentário, uma vez que os três agem ativamente na construção de seu percurso incendiário rumo à conscientização de uma realidade social medida por políticas excludentes e elitistas. Um exemplo desse respeito à visão daqueles que estiveram na linha de frente de diversos levantes importantes, midiatizados de acordo com sua repercussão gradativa, é a possibilidade de contradição, de debate, tida como condição sine qua non à abrangência almejada. Os personagens lutam por um ideal bastante parecido, mas partem de lugares diferentes, pertencem a grupos distintos e isso é preservado no filme.

Espero Tua (Re)Volta desenha um caminho mais ou menos retilíneo, partindo das manifestações de 2013, as controversas marchas dos 20 centavos. Por um lado, Lucas “Koka” Penteado celebra aquele acontecimento como um momento histórico em que muita gente aprendeu o valor da pressão popular, a necessidade de uma tomada firme de posição para evitar desmandos da classe política. Todavia, num desses momentos em que o longa-metragem debate as minúcias, lhe é apresentado um efeito-colateral pernicioso, com a instrumentalização das mobilizações contra o então governo da presidenta Dilma Rousseff. Assim, são mostradas, com o devido amargor, cenas de protestantes gritando contra a existência de partidos políticos e organizações de luta, pauta tristemente parecida com a prevalente na época da Ditadura Civil Militar. Essa reflexão é um bom sintoma de que o documentário não se propõe a estabelecer verdades, mas a problematizar causas e efeitos.

Óbvio que Espero Tua (Re)Volta possui sua inclinação ideológica, e mais, demonstra total simpatia pelos grupos que ocuparam escolas quando o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, divulgou um plano arbitrário e excludente de reorganização do ensino no estado. Embora as vozes do trio de protagonistas sigam se revezando na narração/condução dos acontecimentos, há um olhar que serve de argamassa. A pegada de Eliza é direta, frontal. Ela não lança mão de uma suposta imparcialidade (utopia, portanto, inatingível) para garantir um escopo maior de ressonância. A complexidade da abordagem está nas várias formas de resistência vistas, nas demandas que surgem de espaços e vivências múltiplos. Estudantes negros sofrem nas mãos da polícia militar treinada para perpetuar abismos e reprimir a voz dos oprimidos, mantendo, assim, o status quo. O mesmo regimento que, em sua maioria, é formado por negros, periféricos, tão afetados quanto os manifestantes pelo Estado perverso.

A pegada descolada de Espero Tua (Re)Volta vem justamente da forma como Eliza toma emprestada a retórica ligeira e certeira de Lucas “Koka” Penteado, Marcela Jesus e Nayara Souza. Os três são vistos em ações, resistindo, ganhando a palavra numa tentativa de equilibrar o discurso e torna-lo menos hegemônico. O idealismo é vibrante, mas passa longe da inocência dos que não percebem as contradições da luta, as naturais contaminações por conta de instâncias entranhadas como doença autoimune na coletividade. Se valendo de imagens de outros suportes – filmes, reportagens, registros de mídia independente – a realizadora consegue a proeza de construir algo acessível, sem complicações retóricas que possivelmente restringissem a sua fruição, mas profundo e forte o suficiente para dar conta de uma fatia considerável e sintomática das lutas sociais em curso no Brasil. Sobra espaço, inclusive, para a mirada melancólica a um futuro comandado pelo ignóbil eleito presidente da república, um inequívoco agente da atrocidade que amplia os abismos no país.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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