Esperança e Glória
Crítica
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Sinopse
Bill Rohan tem apenas nove anos e passa sua infância em uma Londres com o clima da 2ª Guerra Mundial. Para um jovem de sua idade, esse momento na história representa em sua vida uma carga de disciplina, ordem e restrições. Apesar disso, ele não sabe como será a vida com o efeito da guerra no cotidiano e na mentalidade das pessoas.
Crítica
Diferentemente de outros filmes ambientados na Segunda Guerra Mundial, em que a solenidade e o drama, às vezes extremos, dão o tom da narrativa, Esperança e Glória é conduzido por uma via mais afetiva, mesmo quando tudo parece ruir frente às eventuais tragédias que um conflito dessa magnitude inevitavelmente traz. Boa parte, porque a história é baseada em algumas lembranças do próprio diretor John Boorman. A Londres de então está de sobreaviso, aliás, toda Europa acompanha preocupada a ascensão de Hitler, sua sanha por conquistar territórios e ampliar domínios. Bill (Sebastian Rice-Edwards) testemunha a euforia patriótica do pai assim que o rádio noticia a entrada da Inglaterra na Segunda Guerra Mundial. O chefe da família se alista, deixando mulher e filhos em meio às sirenes que anunciam a iminência dos bombardeios germânicos, cada vez mais frequentes na terra da rainha.
Esperança e Glória é feito de memórias entrelaçadas. Mesmo não alienados da realidade difícil que os circunda, os pequenos se valem do lúdico para abrandar a dor e a miséria. Casas vizinhas ardem em chamas, mas no dia seguinte, blindada por certa inocência, a gangue dos meninos que se divertem bancando soldados faz a festa reduzindo escombros a cinzas, quebrando o que veem pela frente. Eles fingem ser parte do exército, mantém prisioneiros de brincadeira, exploram com curiosidade o sexo alheio, enfim, vivem plenamente suas condições de crianças. Boorman mostra a guerra através desses olhos infantis, filtrando o traumático pelas perspectivas menos pessimistas dos que ainda conseguem ver beleza, por exemplo, numa rua assolada pelo inimigo, na qual o brilho dos ataques é semelhante ao dos fogos de artifício. Longe de diminuir a visão crítica e amarga presentes, esse viés confere singularidade ao filme.
São muitos os exemplos ao longo da trama que ressaltam a importância da ficção. Em determinada cena, Bill é retirado do cinema, onde via um cinejornal que dava conta justamente dos últimos acontecimentos de guerra, em virtude de um toque de recolher. Ele protesta contra a realidade, dizendo que ela é menos atraente que o projetado na tela. Não se trata de uma fuga, mas do apego à capacidade da ficção de dar outros contornos aos fatos, por vezes mais interessantes e efetivos, até mesmo no que diz respeito ao registro para reflexão posterior. Esperança e Glória sublinha constantemente a importância da família, a resistência menos árdua quando os personagens estão na companhia dos seus. Irmãos, avós, tias, pai e mãe, além dos amigos, são como escoras ao garoto que cresce num cenário devastado, sustentáculos que lhe permitem ainda brincar.
As intervenções do narrador são sutis e pontuais, suficientes para deflagrar a memória como propulsora. Esperança e Glória não ambiciona registrar com fidedignidade a Segunda Guerra Mundial, as tensões políticas que colocaram nações em choque. John Boorman inventaria sua infância que, tornada filme, transcorre repleta de descobertas em paralelo à briga entre aliados e inimigos do Terceiro Reich. Como testemunha daqueles dias, o diretor leva às telas um relato compassivo e terno que, sem esconder o horror do entorno, se atém à pureza e ao otimismo, elementos necessários quando a esperança soa como um conceito abstrato e distante no horizonte marcado pela violência. Confrontado pelo passado, Boorman, ao invés de destacar a dor, evidencia a força dos que persistem.
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