Crítica

Grata surpresa entre as animações indicadas ao Oscar 2014, o francês Ernest & Celestine (2012) foge da vertente de superproduções do gênero ao apresentar traços simples, mas cheios de vida, com uma bela história sobre amizade e preconceito que atinge não só as crianças, porém, principalmente, os adultos. O filme venceu o César, o chamado “Oscar francês”, do ano passado, e ainda recebeu menção honrosa no Festival de Cannes. Méritos totalmente justificáveis perante a qualidade da obra, baseada na série de livros infantis de Gabrielle Vincent, sucesso na Europa.

A trama, recheada de subtextos, conta a história da ratinha Celestine, uma órfã que nunca entendeu o medo que seus colegas e afins do mundo subterrâneo tem do “mundo de cima”, onde vivem os ursos. Pois é justamente longe do subterrâneo que a órfã vai conhecer Ernest, um urso totalmente fora dos padrões de que ela ouviu falar: festeiro, simpático, engraçado. Aquele que vai se tornar seu melhor amigo, mesmo que nenhuma das duas sociedades entenda e aceite.

Para tal fim, os criadores não economizaram para deixar a animação com os traços que remetem às ilustrações dos livros da belga Gabrielle Vincent. A paleta de cores, sempre com tons brancos ao redor, como se o desenho não preenchesse a tela, cria formas quase etéreas, como se impulsionassem o público à imaginação, mesmo que a forma esteja concreta. O traço à mão feito com aquarela é belíssimo e raro de se encontrar no gênero atualmente, o que dá ainda mais pontos para Ernest & Celestine, uma produção já espetacular por si.

Se os desenhos parecem simples, quase que importados das ilustrações da literatura infanto-juvenil, o roteiro mexe a fundo com o preconceito entre pessoas (animais, que seja) de diferentes raças (espécies) e como o medo do “anormal”, do fora do comum, é o motor que afasta sociedades e culturas. Uma das sacadas geniais da história é mostrar que os roedores fazem implantes de dentes de urso para ficarem mais fortes, enquanto que os próprios ursos tem que cuidar da dentição por conta das cáries (eles amam doces). Ou seja, mesmo sem se gostar, um depende do outro.

No início do longa, quando Celestine ainda mora no lar das ratinhas órfãs, toda a noite a “carcereira”, uma senhora já idosa que cuida das crianças, relata contos de horror envolvendo ursos. A velha tática de incutir medo do que é desconhecido, algo que não afeta a corajosa e impetuosa ratinha protagonista. E nem seu fiel amigo Ernest. Talvez uma das mais belas amizades já criadas no cinema nos últimos 20 anos.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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