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Crítica

Em Era o Hotel Cambridge, Eliane Caffé repete a estratégia, utilizada em Narradores de Javé (2003), seu filme mais conhecido, de colocar para contracenar atores profissionais e não profissionais, como meio de contar a história de um grupo socialmente marginalizado que resiste a poderes muito maiores que os seus. Mas aqui, na verdade, Caffé intensifica esse procedimento, já que apenas José Dumont e Suely Franco são rostos conhecidos em meio a um grande número de pessoas “comuns”, homens e mulheres provenientes de diferentes países instalados numa ocupação de um movimento por moradia em São Paulo – em Narradores de Javé, além de Dumont, estavam presentes também nomes como Nelson Dantas, Matheus Nachtergaele, Gero Camilo e Nelson Xavier.

Era o Hotel Cambridge é, portanto, profundamente político e dotado de um timing muito especial, já que o país, mergulhado em crise política e social, se vê tomado por ocupações de diferentes espaços por movimentos diversos. Caffé faz um filme muito potente nesse sentido, de momentos fortes que comentam desde os riscos da vida num espaço ocupado à força – a contagem dos dias que torna mais próxima a ameaça de despejo pela polícia e a cena da invasão de um novo prédio, filmada pela diretora com urgência impressionante, por se tratar do registro de um episódio real –, até a maneira como os habitantes daquele espaço são vistos pelo senso comum conservador, que se manifesta sobretudo na internet, e como eles reagem a essas manifestações – há uma cena bastante comovente em que o personagem de Dumont lê, assustado, comentários de ódio feitos no blog da ocupação, criado e mantido por ele.

Trata-se, no fim das contas, de um filme sobre empatia, sobre colocar-se no lugar do outro. Mas não qualquer outro: interessa à diretora o marginalizado que resiste à ordem hegemônica, ao poder financeiro e político. Daí o próprio procedimento de feitura de Era o Hotel Cambridge exprimir essa busca pela alteridade, já que o contato, promovido por Caffé, entre atores profissionais e não profissionais, ambientes controlados e não controlados, ficção e realidade, leva para a forma do filme o que a princípio seria apenas seu tema.

Apesar de todo esse peso político, que reforça a seriedade do olhar proposto para um universo marcado por privações, Era o Hotel Cambridge consegue ser também um filme divertido, principalmente pelo tratamento despojado que dispensa a seus personagens. É quase como se Caffé fizesse das cenas de política bruta pequenos, mas poderosos, interregnos no que realmente lhe interessa mostrar: o cotidiano de romances, encontros, desencontros e brincadeiras de pessoas normalmente vistas pela classe média e pintadas pelos noticiários como estranhas e incômodas. Talvez seja nesses momentos de intimidade com os seres políticos que povoam Era o Hotel Cambridge que a diretora consiga completar o exercício de empatia do filme, transformando o estranhamento em identificação, os homens e mulheres xingados a esmo na internet por sua luta política em seres humanos ordinários e concretos.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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