Crítica

Neste futuro hipotético, o governo determina o destino de cada cidadão a partir de sua infância, quando cada indivíduo – ainda criança – é convocado pelo exército. Após séries intermináveis de treinamentos diversos – todos monitorados pelo ‘grande irmão’ – os pequenos terão o futuro da nação em suas próprias mãos, lutando de modo selvagem para salvar a si próprio e aos seus queridos. Este argumento, que se encaixaria muito bem à saga Jogos Vorazes (2012), serve também como uma luva em outra série, a que deveria ter tido início em Ender’s Game: O Jogo do Exterminador. E o tempo verbal no futuro do pretérito está correto. Afinal, com o fracasso dessa produção, é bem pouco provável que alguma continuação seja viabilizada.

Baseado num conto publicado pela primeira vez em 1977, de autoria de Orson Scott Card, Ender’s Game chega agora aos cinemas após ter sido adaptado para uma sequência de quase uma dezena de livros e histórias em quadrinhos. A diferença em relação aos seus similares é que aqui a luta é contra extraterrestres, uma raça apelidada de ‘bugs’ (formigas, ou insetos), batizada na tradução nacional como ‘formics’. Nesta realidade, foram os aliens que iniciaram a batalha, e só foi possível expulsá-los após uma investida suicida, que terminou por explodir a nave-mãe inimiga. Mas eles não foram eliminados por completo, e desde então tudo que a humanidade tem feito é se preparar para o caso de precisarem se defender novamente – ou, quem sabe, atacar antes.

Ender (Asa Butterfield) é o quarto de sua família a fracassar no programa de treinamento do governo. Se o irmão mais velho era muito selvagem, a irmã demasiadamente emocional, e o pai despreparado, todas as expectativas recaíram sobre ele, aquele que acreditavam possuir todas as qualidades necessárias. Sua expulsão, revela-se logo, foi apenas mais um teste proposto secretamente pelo Coronel Graff (Harrison Ford), que desejava ver a reação do garoto diante frustrações. Reiterado à Força, ele avança rapidamente no seu preparo, surpreendendo quem apostava contra seu talento e ansiando cada vez mais pelo confronto decisivo. Sem nunca, no entanto, esquecer daqueles que se colocaram ao seu lado – ou contra ele.

Há vários problemas nessa versão cinematográfica de Ender’s Game, e eles vão do roteiro linear e previsível ao elenco desmotivado, passando pela direção convencional e pouco inspirada. Com uma trilha sonora exageradamente imponente (cortesia de Steve Jablonsky, o mesmo da saga Transformers), a narrativa é absurdamente correta, sem revelações, reviravoltas ou surpresas – tudo ocorre exatamente conforme o esperado, sendo possível imaginar antecipadamente cada passo. Se Butterfield já teve dias melhores (como no oscarizado A Invenção de Hugo Cabret, 2011), a participação de Ford é de um constrangimento tão grande quanto a de Sean Connery em A Liga Extraordinária (2003) – um fiasco que gerou sua aposentadoria antes do previsto. Temos também duas crianças indicadas ao Oscar – Hailee Steinfeld, por Bravura Indômita (2010), e Abigail Breslin, por Pequena Miss Sunshine (2006) – completamente desperdiçadas, além de dois atores de respeito – Viola Davis e Ben Kingsley – aparecendo como coadjuvantes de luxo. Vergonhoso.

Mas tudo isso poderia ser contornado caso o projeto estivesse nas mãos de um cineasta mais habilidoso, o que definitivamente não é o caso do sul-africano Gavin Hood, que já havia demonstrado pouca afinidade com grandes orçamentos no malfadado X-Men Origens: Wolverine (2009). Seu olhar é correto e maçante, sem uma inspiração criativa que fuja do óbvio. Com personagens unilaterais, uma teoria nada verossímil – o destino do mundo é colocado nas mãos de crianças graças ao talento delas em... videogames! – e efeitos visuais tímidos, Ender’s Game: O Jogo do Exterminador parece se contentar em ser um subproduto exclusivo para fãs desprovidos de maiores e mais amplas referências. Fala-se de e para um universo limitado, tão restrito quanto o resultado apresentado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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