Crítica

Existe paixão na terceira idade? Se muitos, já desiludidos e cansados, preferem acreditar que não, o emocionante Elsa & Fred está aí para provar o contrário. Esta co-produção entre Argentina e Espanha tem como foco mostrar como o amor pode surgir após os 70 – ou 80 – anos e ainda assim ser possível vivê-lo com intensidade, carinho e sinceridade. Sua história é construída de modo universal e de fácil identificação, e a despeito da idade dos personagens principais tem tudo para tocar os corações de espectadores de qualquer faixa etária.

Alfredo (Manuel Alexandre) perdeu sua esposa há menos de um ano. Recém viúvo, decide se mudar para um novo apartamento. Lá fica vizinho de Elsa (China Zorrilla), uma senhora, também sozinha, que vive às voltas com os filhos e as amigas. Cada um é o exato oposto do outro: enquanto ele é reservado, hipocondríaco e acomodado, ela está sempre na rua, foge dos remédios, se recusa a ficar parada e encara a vida com ardor e alegria. À medida que vão se conhecendo, ele passa a ser contagiado pelo entusiasmo dela, e a simpatia aos poucos vai se transformando em afeto. Disso para o verdadeiro amor será uma mera questão de tempo.

Elsa & Fred tem vários pontos fortes que merecem ser destacados. A começar pela dupla de protagonistas, completamente à vontade em seus papeis – ambos, infelizmente, já falecidos. China tem uma presença deliciosa, é impossível não se divertir com cada nova tirada dela. Por este trabalho ganhou o Condor de Prata (o Oscar argentino) e concorreu ao prêmio do sindicato dos críticos de cinema da Espanha como Melhor Atriz. Ela ilumina com uma presença esfuziante cada minuto em cena, garantindo o lado cômico da trama. Já Alexandre é o contraponto ideal. Igualmente premiado (por este desempenho concorreu também ao prêmio dos críticos de cinema da Espanha, ao Goya – o Oscar espanhol – e foi escolhido Melhor Ator na premiação dos atores espanhóis), ilustra com sensibilidade uma alma apagada que gradualmente vai ganhando força e vida. Juntos, formam um dos casais mais queridos já vistos na tela grande, num conjunto que tem tudo para se tornar clássico.

E falando em algo inesquecível, nos voltamos ao maior de todos os achados do longa: a homenagem que o mesmo faz a uma das mais tocantes e belas obras de Federico Fellini. O diretor espanhol Marcos Carnevale assume no título a referência: Elsa & Fred nos remete direto à Ginger & Fred (1986), do cineasta italiano. Mas é com outro trabalho deste, o irretocável A Doce Vida (1960), que o paralelo se faz com maior eficiência. Elsa é apaixonada por este filme em particular, e seu maior sonho é reviver a cena em que Anita Ekberg entra na Fontana Di Trevi para se banhar, sob o olhar espantado – e apaixonado – de Marcello Mastroianni. A ligação entre as duas histórias se faz de modo absolutamente mágico, e não há como o espectador, seja cinéfilo ou mero curioso, não se emocionar com um momento de tamanha beleza como este. Elsa & Fred é uma lição de amor, de sensibilidade e de vida. E, acima de tudo, uma mensagem para ser abraçada em todos os sentidos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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