Crítica

Paul é jovem, bonito, saudável, mora em Paris, uma das maiores cidades do mundo, e tem praticamente tudo ao seu alcance: amigos, garotas, uma mãe compreensiva (que o cria sozinha) e muito tempo livre. Seu desinteresse crescente pelos estudos só não é trágico num primeiro momento porque sua atenção está sendo substituída por outra atividade que lhe parece muito mais interessante: a música. Mas não como compositor ou tocando algum instrumento. Paul quer ser DJ, arrebatar as pistas e conquistar multidões em busca de bons momentos de descontração e alegria. Mas assim como qualquer festa de arromba é composta por boas doses de exagero durante e arrependimentos no dia seguinte, também será a jornada do protagonista de Eden, drama francês dirigido por Mia Hansen-Love que parece, curiosamente, pender mais para essa sensação pós-euforia do que para a celebração em si.

A trama de Eden se estende do início dos anos 1990 até 2013 – um período, portanto, de mais de 20 anos. Mostrar todo esse passar de tempo em pouco mais de duas horas pode ser uma intenção um tanto ousada, a não ser que se deixe de lado amarras narrativas mais formais e se invista em uma proposta aberta e livre. Pois é exatamente que temos aqui. Acompanhamos com crescente interesse os acontecimentos da vida de Paul, porém sem a necessidade de uma linearidade precisa. Não há um evento específico que sirva para prender a atenção do espectador e que funcione como um gancho para o desenrolar dos acontecimentos. Muito pelo contrário, o que se busca é mais um sentimento em comum ao cenário apresentado e menos o impacto de um episódio ou outro nas trajetórias dos personagens. Uma posição arriscada, que afasta a audiência ocasional, mas recompensa os iniciados no assunto.

Paul (Félix de Givry, de Depois de Maio, 2012), logo no começo do filme, é abandonado pela namorada americana (participação especial de Greta Gerwig). A separação, ao invés de derrubá-lo, serve como impulso para se dedicar ao que realmente gosta: comandar as picapes dos clubes que frequenta quase todas as noites com seus amigos. É o início da ‘french house’, uma expressão que viraria febre a última década do século XX, e ele está literalmente no centro do furacão. Logo ele o colega Stan (Hugo Conzelmann, também visto em Depois de Maio), formam o Cheers, uma dupla de DJs que começa a fazer sucesso no circuito parisiense. A semelhança com o Daft Punk não é mera coincidência: a inspiração é assumida, e Guy-Manuel e Thomas Bangalter são até citados nominalmente. O que se vê na sequência é mais uma coleção de registros do que um desenrolar contínuo de fatos. Novas namoradas, amigos que se separam, a ida para Nova York e a descoberta do mundo, o envolvimento com as drogas, excessos, discussões, fama, tragédias e agitos. Altos e baixos como numa roda-gigante, que irá mostrar sem possibilidade de recurso que, após a subida, a única alternativa que sobra é a queda.

O interesse de Hansen-Love, assim como no anterior Adeus Primeiro Amor (2012), é trazer o espectador para dentro das emoções e sentimentos experimentados pelos tipos que povoa suas histórias. A montagem repleta de elipses, que exige um esforço daquele que assiste de preencher os espaços em branco, e a trilha sonora abrangente, viciante e hipnótica, são artifícios eficientes para atingir este feito. Além de um elenco coeso, a maior parte formado por jovens quase inexperientes, que oferecem atuações bastante naturalistas. Eden é o paraíso perdido, a chance de algo muito bom que se foi, sem chance de retorno, obrigando os sobreviventes a seguirem em frente e lidarem com as novas situações. Um tanto melancólico, é fato, mas ainda assim muito real.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *