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Sinopse

Um menino faz amizade com o extraterrestre perdido no nosso planeta. Essa forte amizade que surge entre ambos vai fazer com que o humano lute com todas as suas forças para o alienígena não ser capturado e voltar para casa.

Crítica

Um dos textos mais incríveis do saudoso crítico de cinema norte-americano Roger Ebert (vencedor do Pulitzer e tema do documentário Life Itself, 2014) é justamente sobre o filme E.T.: O Extraterrestre (disponível no Brasil no livro A Magia do Cinema, Ediouro, 2002-2003, pg 208). Nele, ao invés de se focar friamente no longa de Steven Spielberg, ele prefere relatar como foi a experiência de revê-lo pela enésima vez, porém dessa vez ao lado dos netos Raven e Emil. A resenha foi escrita em formato de carta, na primeira pessoa, dele para as crianças. Tudo muito pessoal e bastante emotivo. Tal qual, acredito, deve ser a relação de qualquer espectador diante deste que até hoje segue como o maior trabalho do cineasta, aquele pelo qual ele será lembrado pela eternidade. Afinal, temos aqui uma conjunção tão feliz de elementos que apontar qualquer pormenor soará mais como uma picuinha daquele que não soube abrir o coração para este verdadeiro clássico.

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Contrariando as diretrizes mais básicas da crítica cinematográfica – que afirma que cada análise deve ser objetiva e distanciada, focada em questões técnicas de forma bastante racional, almejando sempre a inovação e o diferencial – Ebert fez de seu artigo uma ode à capacidade de emocionar que o filme de Spielberg possui, tanto hoje quanto em 1982, quando estreou originalmente nos cinemas. Sua força e alcance permanecem intocáveis, e talvez estejam aí seus maiores méritos: na universalidade e atemporalidade. Nada mal para um filme que fala sobre um alienígena abandonado na Terra ser capaz de tocar tão fundo nos sentimentos desses que aqui o encontram, ou seja, nós, os humanos.

Leva-se exatos 8 minutos para que se ouça o primeiro diálogo em E.T.: O Extraterrestre. Spielberg não tem pressa, entra em campo com o jogo ganho, e vai com bastante tranquilidade exibindo os talentos que tem a seu dispor para não entregar todo o ouro de uma só vez. Neste começo, descobrimos uma nave espacial de seres intergalácticos em uma floresta, coletando espécies vegetais, que ao pressentirem a chegada de humanos fogem rumo ao espaço, deixando para trás um destes pequenos operários. O E.T. que dá título ao filme terá, a partir deste momento, não apenas que descobrir como sobreviver naquele lugar estranho e pouco receptivo, mas também encontrar um meio de pedir ajuda aos seus colegas, solicitando que voltem em seu resgate. Esta é basicamente a linha narrativa do filme, e seria somente isso se nela não houvesse a interferência de um outro vértice: o garoto Elliott (Henry Thomas) e sua família.

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Na inocência da criança e de seus irmãos, Spielberg foi buscar referências da sua própria infância – os pais divorciados, por exemplo. Elliott (cuja nome, se você reparar, lembra muito a do próprio E.T., quase como se um fosse a abreviação do outro) é que irá encontrar o alienígena, e com ele formará um laço que irá além da pura amizade – haverá quase uma simbiose, com uma transferência de sentidos e emoções entre eles. E.T. é Elliott, Elliott é E.T., e nós somos os dois no lado de cá da tela. Quando E.T. finalmente começa a entender aquele mundo no qual foi deixado e aprende a somar as coisas ao seu redor, encontra um jeito para chamar seus amigos – é a inesquecível fala “E.T. Telefone Casa”. E estaremos ao seu lado, assim como Elliott e seus irmãos – o sumido Robert MacNaughton e a estreante Drew Barrymore, que na época tinha apenas 6 anos – que se empenharão em ajudá-lo. O importante é o processo, no entanto. Porém, como lidar com o resultado de todo esse esforço?

Repare como a câmera de Spielberg e do diretor de fotografia Allen Daviau – indicado ao Oscar por este e por mais dois trabalhos ao lado do diretor, A Cor Púrpura (1985) e Império do Sol (1987) – está sempre na altura dos protagonistas. Ou seja, vemos o que eles veem – uma boa dica é perceber como os adultos estão sempre um palmo acima (nem chegamos a ver o rosto do professor, por exemplo), mais ou menos como nos antigos desenhos de Tom & Jerry. Foi uma maneira sutil, porém eficiente, para colocar em evidência quem realmente importa na trama. Os dois primeiros nomes dos créditos iniciais – Dee Wallace, a mãe, e Peter Coyote, o agente do governo – pouca influência possuem na história (ela chega a tropeçar no E.T. em frente à geladeira e ainda assim não o vê, e ele aparece apenas na meia-hora final do enredo, e pouco faz além de observar o que se sucede). As crianças, portanto, estão à frente da ação, seja na corrida de bicicletas despistando policiais, seja trocando m & m’s com o recém chegado, e mostrando estarem sempre um passo adiante no que de fato importa.

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Com roteiro de Melissa Mathison (esposa de Harrison Ford na época), E.T.: O Extraterrestre é até hoje o maior sucesso comercial da carreira de Steven Spielberg (em valores reajustados, sua bilheteria seria de mais de US$ 1,1 bilhão apenas nos EUA) e recebeu impressionantes nove indicações ao Oscar – inclusive a Melhor Filme e Direção. Não ganhou as principais – perdeu para Richard Attenborough e seu épico Gandhi (1982), um filme do qual pouca gente lembra hoje em dia – mas levou quatro estatuetas técnicas (Som, Efeitos Visuais, Efeitos Sonoros e Trilha Musical), o que na época foi considerado de bom tamanho. Mais de três décadas após seu lançamento, confirmamos que foi muito pouco, no entanto, tamanha é sua importância para a cinefilia mundial e sua relevância para a cultura pop (repare nas menções aos contemporâneos Star Wars e Tubarão, 1975) de todas as gerações que desde então tem acompanhado essa incrível jornada de um menino e seu amigo extraterrestre, um ajudando o outro a partir, e as inevitáveis lágrimas que se sucedem quando, enfim, essa despedida se faz necessária. Ainda que seja um adeus, felizmente está para sempre guardado em nossa memória.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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