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Sinopse

Dono de uma loja de discos, Durval se recusa a aceitar que os CDs estão tomando o lugar dos LPs. Morando com sua mãe, eles contratam uma empregada que, pouco tempo após a chegada, some, deixando sua filha pequena aos cuidados da família.

Crítica

Durval Discos é uma produção humilde, quase de fundo de quintal, que, da noite para o dia, assumiu condição de “grande promessa”. Assim como a estrutura do filme, em que a própria diretora Anna Muylaert afirma ser composta de dois lados (assim como nos antigos vinis), a trajetória do seu longa de estreia também possui um lado A e um B. Feito com recursos humildes e com atores fora do grande estrelato (os excelentes Ary França e Etty Fraser, que por si valem o filme), captou a atenção do grande público após conquistar os principais prêmios no Festival de Gramado, inclusive Melhor Filme.

Durval (França) é um cara quarentão que ainda está meio que perdido na adolescência. Frente a uma sociedade “globalizada e modernizada”, segue apostando suas esperanças numa loja de vinis, aqueles bolachões antigos de música. Vive com a mãe (Fraser), uma senhora de idade avançada, e por isso resolvem contratar uma empregada, Célia (Letícia Sabatella, em pequena participação). O problema deles começa no dia seguinte, quando essa desaparece e deixa uma menina, Kiki (Isabela Guasco, de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, 2014), aos cuidados dos dois. O que fazer com a criança, sem alterar demais suas rotinas e nem atrair a atenção de vizinhos curiosos, como a atendente da pastelaria Beth (Marisa Orth)?

O lado A do filme é recheado de bom humor, interpretações envolventes e participações hilárias (quase todas protagonizadas no interior da loja de Durval), com as de Rita Lee, André Abujamra (que chegou a ser cotado para o papel principal e que assina a trilha sonora do filme) e do dj Theo Werneck. É nesse começo que a história de Durval Discos conquista o público, através de um mise-en-scène ao mesmo tempo inventivo e simples. A relação de Durval com a mãe, a construção de cada personagem e as pequenas ironias presentes nestas relações são tão gratificantes que conseguem segurar o interesse do público mesmo após a “troca de lado”, quando o clima da história muda completamente.

Neste segundo segmento, acontece uma inversão dos papeis. O que antes era ingênuo e cotidiano passa para uma realidade de absurdos, situando-se numa comédia sombria que pode assustar os desavisados. O bizarro e inverossímil dominam a ação, beirando o exagero em alguns momentos. É preciso estar com o espírito preparado para o que irá acontecer, principalmente devido ao modo brusco com que essa mudança ocorre. Mesmo assim, é uma atitude ousada, que no final das contas garante um saldo positivo e em sintonia com a proposta inicial do enredo.

Durval Discos conquistou, em Gramado, os prêmios de Melhor Filme segundo o júri oficial, júri popular e escolha da crítica, além dos kikitos de direção, roteiro, direção de arte e fotografia. Ou seja, agradou à maioria, mesmo que suas estranhezas não tenham sido esquecidas. Isso, somado a uma trilha sonora que ressalta o boom da disco nos anos 1970, garante a quem for assisti-lo uma experiência singular, conferindo uma necessária reoxigenação ao cinema nacional. E aos nossos costumes, também. Mesmo sem muitos recursos e baseado numa história original e em atores comprometidos, é cru, chocante, e até assustador. Mas é também diferente, de um vigor muito próprio e que propõe uma reavaliada em conceitos pré-estabelecidos. Afinal, nenhuma outra forma de expressão artística é tão mutável e adaptável quando o cinema.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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