Crítica

O fotógrafo Maurício Nahas estreia seu primeiro longa-metragem com um olhar sensível sobre as mulheres que transformam barro em obras de arte através da cerâmica. O cenário de Do Pó da Terra é o Vale do Jequitinhonha, interior de Minas Gerais, região conhecida pelos altos índices de pobreza que se assemelham ao sertão do nordeste brasileiro. O diretor realiza, ao mesmo tempo, um contraponto da precariedade em que vivem suas protagonistas com um sopro de esperança das mesmas, já que a atividade não é apenas sua fonte de renda, indo muito além de um hobby prazeroso para um intenso comprometimento artístico.

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O roteiro de Di Moretti ajuda mais nesta percepção ao explicar, já no início do filme, a relação dos índios da etnia Maxakali com o manuseio do barro. Algo que, consequentemente, foi apropriado pelos brancos ao longo dos séculos, enraizando e disseminando a cultura da região.  Assim esta trupe de mulheres foi adquirindo e passando de geração para geração as técnicas que transformam o pó em recriações artísticas de alta qualidade. Não são personagens aleatórios representados nas esculturas. É o caso das noivas solitárias, que personificam as companheiras que ficam na cidade enquanto os maridos tentam a sorte na cidade grande.

Por sinal, há um grande jogo de inversão que entra em choque com o machismo do interior mineiro. A cerâmica é tão reconhecida por suas qualidades que acabam se tornando a principal fonte de renda das famílias. Então, enquanto as mulheres saem de casa para trabalhar, os homens precisam ficar em casa para cuidar da casa e dos filhos pequenos. O assunto não é tão aprofundado quanto poderia, mas é interessante notar o contraste de uma guerra dos sexos quase inexistente numa região que, em teoria, deveria ser muito mais retrógrada neste sentido. Em tempos de discussão sobre empoderamento feminino, as protagonista desta grande histórias estão um passo à frente.

O olhar do diretor nunca é invasivo, deixando com que as entrevistadas sintam-se à vontade para contar mais sobre seu trabalho e, quando mais relaxadas, começam a falar sobre sua vida pessoal e as esperanças, desilusões e sonhos. É a dualidade do ser humano entre forças emocional e racional, muito bem retratada por uma das garotas, Maria Lira Marques Borges. Nunca caricatural ou artificialmente emocional, as meninas se despem perante a câmera extravasando os sentimentos mais profundos. O único porém é a montagem que perde um pouco a linha de raciocínio entre uma história, especialmente quando insere cenas da paisagem local, que mais servem como distração do que real pausa para as conversas intercalarem.

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A tradição é ameaçada por conta da precariedade da cidadezinha. Os jovens não querem ficar sem emprego e estudos, por isso também viajam, geralmente após o término do ensino médio, para tentar a sorte em cidades como São Paulo. Porém, no longa fica claro que as artesãs e escultoras não tem medo disso, pois sempre haverá alguém para perpetuar o conhecimento adiante. O retrato aqui é de uma região pobre e quase sem recursos, mas que encontrou na arte uma forma de protesto, ainda que silencioso. Não é necessariamente um embate entre cidade grande e interior, mas um ode ao grande trabalho realizado. Algo que o clímax das mulheres envolta permeadas por barro glorifica ainda mais.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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