Crítica

Diário de uma Camareira tem sua ação no início do século XX e o mercado para empregados de alta classe, como tudo em Paris, está estrangulado, em especial para jovens com o perfil de Celestine (Lea Seydoux). Bonita e de bons modos, a personagem criada pelo escritor francês Octave Mirbeau não tem o conformismo e a obediência como características. O espírito inquieto leva Celestine a procurar emprego no interior.

Destinada a combater seu temperamento, Celestine consegue emprego na Provença, onde se torna alvo fácil dos abusos do patrão (Herve Pierre) e dos maltratos da patroa (Clotilde Mollet). Sem as regalias de serviçal da capital francesa, a vida torna-se um inferno. Será ali que conhecerá o misterioso empregado Joseph (Vincent Lindon), com quem terá uma relação de amor e ódio até reconhecer nele a mesma ambição que a alimenta.

A direção de Benoit Jacquot (Adeus, Minha Rainha, 2012) aposta em uma história adaptada anteriormente pelo menos duas vezes, por Jean Renoir e Luis Buñuel. Em ambos os casos, a personagem de Mirbeau encontrou um contexto social ou estético interessante para ser revisitada. O espírito tomado pelo desejo de liberdade, a insubordinação e a ambição fizeram parte das figuras femininas de um dado momento da literatura francesa, quando a cartilha realista obrigava os escritores a admitirem a igualdade dos gêneros, tendo em Madame Bovary, de Gustave Flaubert, o melhor dos expoentes.

A visita de Jacquot – que escreveu o roteiro em parceria com Hélène Zimmer – à personagem de Celestine conta com pontos positivos, entre eles a atuação segura de Seydoux em boa parte do tempo, retomando a expressão blasé vista em A Bela Junie (2008). A direção de arte e o figurino centram-se no uso do dourado para representar ambição e fazem um trabalho essencial a fim de transpor visualmente a passagem da empregada parisiense para a serviçal relutantemente interiorana.

O conteúdo da obra, no entanto, não supera o deslocamento do tempo. A crítica ao mundo burguês não tem ressonância para além do entretenimento de folhetim. A força opressiva da religião, em especial na sociedade francesa, é desenvolvida superficialmente, dando atenção para a quebra dos dogmas sexuais, que, apesar do esforço da montagem, limita-se à relação com o jovem Georges (Vincent Lacoste) e a uma série de flashbacks rapidamente apresentados.

O problema das adaptações costuma ser o recorte escolhido. A vontade de contemplar todos os aspectos da obra literária costuma gerar resultados superficiais e narrativas apressadas. Infelizmente, Diário de uma Camareira não escapa a esse equívoco.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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