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Sinopse

Daniel dá um golpe numa empresa de investimentos. Escondido por recomendação do primo enquanto aguarda um passaporte falso para fugir, ele começa a ser consumido pela espera.

Crítica

Desvios é o primeiro longa para cinema de Pedro Guindani (ele já havia dirigido, em 2007, o televisivo Os Olhos de Capitu). A trama acompanha Daniel (Rafael Mentges), homem em fuga, acossado num pequeno apartamento no centro de Porto Alegre, após ter dado um golpe de R$ 15 milhões em uma grande empresa. Durante uma hora e meia, a câmera de Guindani gruda no sujeito, dedicando-se a registrar seu cotidiano de repetições, absolutamente enfadonho, e suas raras idas à rua, onde encontra com seu primo e parceiro de crime (Cassiano Ranzolin) e conhece a jovem Carol (Fernanda Menezes), que poderá reconectá-lo ao mundo.

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Essa premissa poderia gerar coisas bem interessantes, até porque Guindani parece querer acompanhar o processo de degradação mental de seu protagonista, por conta do isolamento e de uma espera aparentemente interminável, o que imediatamente remete à trilogia do apartamento de Roman Polanski (Repulsa ao Sexo, O Bebê de Rosemary e O Inquilino). Mas Desvios não consegue mergulhar tão fundo na loucura de seu personagem central como fazem os filmes de Polanski. Guindani até é bem eficiente na construção das sensações de tédio, marcada pelos atos repetidos de Daniel dentro do apartamento (basicamente: comer macarrão instantâneo, escovar os dentes, dormir e ler O Estrangeiro, de Albert Camus), e de paranoia, toda vez que ele sai à rua e vê alguém o seguindo. Mas o salto daí para a loucura é dado de forma excessivamente repentina e, pior, o ato cometido por Daniel já nesse último estágio não tem suas consequências minimamente exploradas no filme. Após o sujeito fazer algo muito parecido com o que a personagem de Catherine Deneuve fazia lá pelo meio de Repulsa ao Sexo, Desvios simplesmente termina.

Tentar encontrar qualquer ligação entre o filme de Guindani e a obra-prima de Camus, citada na narrativa, é algo ainda mais complicado. O tédio com o mundo experimentado pelo protagonista de O Estrangeiro, Meursault, é existencial. O de Daniel é puramente circunstancial, pelo fato de ele estar confinando num apartamento esperando o momento de sair do país após ter cometido um crime. O assassinato cometido por Meursault é decorrência desse tédio existencial, que o leva à indiferença com relação à vida humana; o ato final do protagonista de Desvios é resultado de sua paranoia. A referência a O Estrangeiro, portanto, parece ser aleatória.

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Resta entender o filme como uma realização genérica mesmo, sem nenhuma identidade visual, por exemplo, com o cinema ao qual tenta se filiar. O que é uma pena. Guindani desperdiça a chance de brincar com a tradição do thriller, de fazer citações aos filmes que o inspiraram, de ser inventivo. Esteticamente, Desvios lembra um pouco minisséries recentes da Globo, de aspecto mais cru, mas essas produções, até pelo tempo que têm para desenvolver suas narrativas, conseguem se aprofundar mais nas trajetórias de seus personagens. Desvios não consegue nem ser um exercício criativo de um estreante na direção, nem avançar suficientemente na história que se propõe a contar.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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