Crítica

Ainda que não se passe nos EUA e seja uma produção de 2015, Destemida poderia ser um belo exemplar político nas mãos de qualquer um para refutar os atuais comentários xenofóbicos e as decisões nada perdoáveis de Donald Trump sobre imigrantes. Afinal, o que se trata aqui é a história de uma jovem libanesa que chega à França para melhorar sua vida. O drama dirigido por Danielle Arbid bate muito na tecla do carisma de estrangeiros em países com língua e cultura distintas, ainda que os percalços da protagonista pareçam um pouco atenuados pela constante “ajuda” que recebe das pessoas que estão ao seu redor.

Ela é Lina (Manal Issa), garota que escapa da guerra civil que assola seu país para estudar em terras francesas. Lá ela conhece vários tipos que a “adotam”, assim digamos, sempre lhe concedendo apoio, mesmo que pareça que sejam contra a garota, aparentemente. Como o casal Victoire e Arnaud, que a todo instante fala de uma forma jocosa sobre os imigrantes e de como a França está chegando à ruína – não por causa deles, mas com sua ajuda. Ainda assim, oferecem um ombro sob suas asas. A própria Europa está num cenário de guerra prestes a explodir naquele cenário de início da década de 90, o que faz a saída da jovem de Beirute para uma terra de oportunidades trazer muito mais lembranças do que real felicidade devido às semelhanças sob vários pontos dos conflitos políticos que acontecem em ambas as regiões.

Assim, Lina vai passando por diversos momentos e, como a jovem recém-saída da adolescência que é, vai experimentando os mais diversos pensamentos sociais. Há uma certa inconstância nesta trajetória, como alguém pulando de galho em galho para descobrir a que linha ideológica realmente pertence. Talvez todas, talvez nenhuma. É um jogo com o espectador que, por um lado, mostra um extremo realismo. Afinal, quem nunca, nesta idade, não agiu da mesma forma? E assim a personagem também passa por outras experiências, tanto em relacionamentos fraternais quanto amorosos. E assim vai da primeira paixão por um homem casado até um colega militante.

A própria Arbid é libanesa e teve a mesma trajetória da protagonista. Por isso o filme pareça um retrato leve sob diversos aspectos das pessoas que passaram pela vida da diretora. Uma autobiografia em que é difícil confirmar o que é realidade e o que é ficção devido ao saudosismo da cineasta com estas pessoas que passaram por seu caminho de crescimento. Por mais odiosas que algumas pareçam em suas ideias, o roteiro trata de contornar estes aspectos para que o espectador simpatize, ao menos, com a maioria. Chega a ser manipuladora a forma, por mais naturalista a forma que a realizadora tente tratar todos os acontecimentos.

Isto não implica em necessariamente algo negativo para o longa, muito pelo contrário. O realismo em contraste com a visão romântica das pessoas e de um novo mundo mostra um otimismo que pode até parecer exacerbado em alguns momentos, mas parece ser um caminho diferente do negativismo que parece imperar as relações sociais de hoje em dia. Destemida é um belo exemplar sobre como novas experiências modificam o pensamento e, porque não, o próprio interior das pessoas, refletindo em algo positivo para o futuro. Pode não ser o caso de muitos, mas com certeza foi o da cineasta. E, acima de tudo, é a história pessoal dela que vemos aqui. Se o espectador quer comprar ou não, é tudo uma questão de perspectiva.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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