Crítica

É problemática a relação de Aiden (Josh Lawson) com suas imagens. Ele fotografa cenas de crimes brutais, mas não consegue se relacionar com elas de maneira a não ter que fotografá-las mais. Para ele, toda imagem que registra é o resultado de sua impotência, incapacidade e covardia. Ele não conseguiu salvar a vítima, não pensou e não agiu rápido o suficiente para evitar seu destino trágico e casual, e a consequência desse mundo nefasto está ali digitalmente guardada na câmera e, principalmente, em seu inconsciente. Mas não há nada do inconsciente freudiano, pois ele sabe muito bem onde está falhando e o que deve fazer para tornar o mundo um pouco mais justo.

A justiça que ele persegue apenas no nível das abstrações é a semelhante àquela que o protagonista da série Dexter (2006) realiza impudicamente: livrar a sociedade de uma parte do mal do mundo (os assassinos), isto é, mais do que salvar os inocentes, ambos querem acabar com os criminosos – paradigma das crenças liberais para quem o que importa é tão somente o indivíduo, dual, que vive ou que morre, e as frutas podres merecem morrer. Mas se a linha de pensamento de Dexter está amplamente conectada a uma estrutura dramática simpática a seu reacionarismo (quer dizer, ele é assumidamente conservador), a performance psicológica de Aiden está um pouco entregue ao fluxo das piadas que o diretor Charles de Lauzirika deseja criar.

Mesmo sua interação com o aparato psicológico de Aiden, que parece feito para funcionar sobretudo como forma de diluir a seriedade do drama (e rir dele mesmo), se confunde no encontro com o ritmo de esquemas que o humor pretende estabelecer. Não demora e já existe um jogo formalizado, rigoroso demais para permitir qualquer distância de certo conservadorismo do gênero, em que as piadas só podem funcionar (porque são esquemáticas) como repetição de si ou como afago com um cinema já estabelecido. Mas o mundo das ideias, platônico, em que Aiden vive em alguns momentos é sempre mais interesse que o mundo dos sentidos, aquele real e “tocável”, no qual ele deixa de agir e demonstra toda sua impotência. E é assim pois aquilo que acontece apenas em sua imaginação é apenas isso mesmo: lances esquizofrênicos, momentâneos, que vão passar e morrer juntos como estrutura de “uma história que poderia ter sido”. O seu lado mau, por ele mesmo tão alardeado, não existe. A bem dizer, ele especula ser que nunca será.

Desejo está condicionalmente amarrado a essa configuração engenhosa da mente humana: Aiden imagina sempre outra forma de lidar com uma situação, mas nunca consegue tomar coragem e agir. Seu medo é viver covardemente para sempre, e o que em princípio diz respeito apenas à forma do personagem acaba envenenando a própria potência do filme. É em sua relação com Virginia (Emma Lung) que Aiden revela seu vazio. Suas angústias não são coisas pelas quais nos apegamos para tentar desmembrá-las, mantemos sempre certa cordialidade diante dos fatos, diante dessa imbecilidade moderna comum a muitos personagens do cinema americano de hoje – representado fortemente em cenas como as que Aiden gagueja ao falar com Virginia ou em outros momentos de aparente tensão psicológica. O crave do título é impossibilidade da existência, a negação do Ser.

Há claramente uma tentativa de complexificar o pensamento, torná-lo mais sério aqui para satirizar logo ali, ser um pouco de tudo, divertir e assustar, mas o jogo duplo não rompe com o discurso límpido (até mesmo do ponto de vista narrativo) do grande cinema hollywoodiano que articula com maior eficiência a força imagético-ideológica com a possibilidade de narrar as banalidades e as fantasias que nos consomem.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do RS. Edita o blog Tudo é Crítica (www.tudoecritica.com.br) e a Revista Aurora (www.grupodecinema.com).
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