Crítica

Ainda em início de carreira, David Schurmann parece obcecado em se tornar um cineasta internacional. Se o recente Pequeno Segredo (2016) deixou isso mais claro, por ser falado parcialmente em inglês, contar com locações em diferentes países e com atores estrangeiros e por tentar alcançar certo “universalismo” na linguagem – que, na verdade, não tem nada de universal, mas quer apenas se aproximar do que seria um cinema “nobre” para padrões hollywoodianos –, em Desaparecidos, estreia de Schurmann na ficção, essa obsessão já estava presente.

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Isso porque Desaparecidos pega carona na onda dos filmes de horror found footage que tomou conta do gênero nas últimas duas décadas, tendo como disparador o fenômeno A Bruxa de Blair (1999), de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez. E por mais que em anos recentes diversos diretores tenham experimentado esse tipo de linguagem para contar histórias muito diversas dentro do horror – com zumbis em REC (2007) e Diário dos Mortos (2007); com fantasmas em Atividade Paranormal (2007) e suas continuações; com monstros em Cloverfield (2008); com demônios em O Último Exorcismo (2010), Exorcistas do Vaticano (2015) e O Herdeiro do Diabo (2014); entre muitos outros –, a matriz para Schurmann aqui foi mesmo A Bruxa de Blair.

Como no já icônico pequeno filme de Myrick e Sánchez, Desaparecidos acompanha alguns jovens perdidos numa floresta, sendo atacados por uma criatura misteriosa. Sua narrativa também começa com o aviso de que aquelas imagens foram encontradas pela polícia após o desaparecimento desses jovens. No entanto, o filme de Schurmann já padece de início do mesmo mal da recente continuação/refilmagem de A Bruxa de Blair: como as imagens “encontradas” provêm de diferentes câmeras e elas já surgem na tela montadas, de forma a constituir claramente uma narrativa com início, meio e fim, quebra-se o efeito de verossimilhança que esteve na base do fenômeno de 1999. Mas esse, na verdade, é o menor dos problemas de Desaparecidos. Se contasse com mais que sustos bobos e previsíveis e uma gritaria sem fim, com atores minimamente competentes, com motivações um pouco mais factíveis para as ações de seus personagens e com algum esforço por tornar interessante a criatura que os ameaça, talvez o filme fosse ao menos digno. Mas Schurmann não faz questão de nada disso: a ele interessa apenas tentar repetir, no Brasil, uma fórmula de sucesso internacional. E com isso, claro, alcançar popularidade.

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O fracasso foi retumbante, quase ninguém viu Desaparecidos e o diretor agora resolveu apostar em outro tipo de cinema com Pequeno Segredo, mais um gigantesco abacaxi, mirando novamente na internacionalização de seu nome, dessa vez com pretensões de chegar ao Oscar, e na popularidade a qualquer custo. Se Schurmann, a princípio, mereceria aplausos por estrear na direção de longas ficcionais apostando em um gênero tão desprestigiado em nosso cinema, essa impressão logo se desfaz quando vêm à tona suas motivações estritamente comerciais e sua aparentemente completa falta de conhecimento e amor pelo cinema de horror. Algo que sobra, por exemplo, em um cineasta como Kleber Mendonça Filho, justamente seu grande adversário na controversa disputa pela vaga brasileira no Oscar esse ano.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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