Crítica

É bastante prazeroso ver um artista da envergadura de Brian De Palma falar por quase duas horas a respeito de sua carreira. Peça importante da chamada Nova Hollywood, da onda de criatividade que promoveu uma verdadeira revolução no cenário norte-americano nos anos 60, o cineasta aqui está muito à vontade discorrendo acerca dos sucessos e dos fracassos nos mais de 50 anos de profissão. Os diretores Noah Baumbach e Jake Paltrow optam por uma moldura quadrada para De Palma. Basicamente registram as histórias do personagem, entrecortando-as com cenas-chave dos filmes que, então, se sucedem na tela em ordem cronológica. Para quem espera um pouco mais de inventividade, ou, quem sabe, até um diálogo formal com a obra do protagonista, este documentário tende a ser uma decepção. Aos puramente interessados na trajetória de De Palma e nos causos de bastidores, o filme pode ser um deleite, pois não é todo dia que um autor reflete tão abertamente sobre si.

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Brian De Palma relembra o início no cinema, as influências determinantes da nouvelle vague, a estreia de Robert De Niro sob sua direção – no filme Quem Anda Cantando Nossas Mulheres (1968) – e a constante briga com produtores para fazer prevalecer sua concepção cinematográfica nem sempre de acordo, a priori, com as expectativas de público. De Palma caminha em linha reta, sem percalços, estabelecendo-se gradativamente como inequívoca homenagem a um grande nome felizmente ainda vivo para comentar as transformações decisivas pelas quais Hollywood passou. Baumbach e Paltrow se contentam em sentar na frente do ídolo e escutá-lo admiravelmente, sem buscar uma interlocução real com sua produção, ou mesmo propor uma linguagem mais fértil a fim de tornar o percurso menos previsível. Claro, a força de certas passagens, bem como a inteligência de Brian De Palma, acaba amenizando os possíveis efeitos colaterais da falta de engenhosidade.

Em De Palma vemos um cineasta falando sem papas na língua sobre as divergências que teve ao longo da vida, seja com colegas famosos, como o também diretor Oliver Stone, de quem ele discordava quanto ao tom de Scarface (1983), ou com nomes reconhecíveis apenas por quem é mais íntimo dos bastidores. A amizade com os colegas Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, George Lucas e Steven Spielberg é mencionada com evidente carinho, mas só. Baumbach e Paltrow perdem uma preciosa oportunidade de aprofundamento nos meandros da Nova Hollywood, movimento tão relevante em que Brian De Palma foi imprescindível. À expansão dos temas surgidos na conversa, os diretores preferem o engessamento narrativo. Assim, seguimos filme após filme, obviamente brindados com o privilégio de ouvir o criador falando das próprias criaturas, porém presos num espaço delimitado demais, cuja inclinação à mera exposição desaponta.

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Citado constantemente como, talvez, o maior herdeiro de Alfred Hitchcock, Brian De Palma manifesta significativo apreço pelo inglês. Analogias entre Psicose (1960) e Vestida para Matar (1980), Janela Indiscreta (1954) e Dublê de Corpo (1984), para citar apenas dois casos, tratam de idealizar pontes para entendermos essa inspiração, capital à arte do norte-americano. De Palma é um documentário obviamente feito de fã para fã. A quem gosta dos filmes de Brian De Palma, de sua rica construção cinematográfica em que a imagem e o som não se comportam como simples penduricalhos, este longa-metragem oferece um panorama amplo, a despeito da subserviência excessiva à estrutura do roteiro. No fim das contas, o caráter informativo se impõe, fazendo do resultado algo próximo do material extra aos quais nos acostumamos com o advento do DVD. Todavia, o testemunho de De Palma, por si, garante a adesão do espectador, proporcionalmente de acordo com sua intimidade com a obra na tela.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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