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Sinopse

Ana Lúcia e Fábio se separam após 20 anos de casamento, e ele passa a viver no apartamento do outro lado da rua. É então que o ex-casal terá que aprender a lidar com essa nova realidade – a distância, a crise no trabalho e a mudança de cidade da filha – e perceberá que no meio da confusão da vida moderna é possível reinventar uma nova forma de amar.

Crítica

O diretor Luiz Villaça e a atriz Denise Fraga formam uma das duplas mais afinadas do cinema brasileiro. Os dois, que são casados na vida real, não trabalham juntos apenas na tela grande – projetos como Retrato Falado (2000-2005) e 3 Teresas (2013-2014) foram desenvolvidos pelos dois especialmente para a televisão. Mas é no cinema que ambos se realizam, em uma sintonia que remete o espectador a outras uniões célebres, como Federico Fellini e Giulietta Masina ou Joel Coen e Frances McDormand, por exemplo. Mas se em Por Trás do Pano (1999) os dois estavam apenas começando e em Cristina Quer Casar (2003) o que importava era a brincadeira com o gênero, em De Onde Eu Te Vejo ambos alcançam uma maturidade tão bela e poética a ponto de causar no espectador aquele tipo de inveja boa, que não deseja destruir o bom momento do outro, mas sim se empenhar para viver você mesmo aquela sensação.

Vendida como comédia romântica, De Onde Eu Te Vejo não é o tipo de filme que irá provocar gargalhadas em seu público – pelo contrário, é bem mais provável que deixe muita gente com os olhos marejados, mas com o coração iluminado. Até porque sua premissa parte de uma situação trágica: o fim de um casamento. Ana (Fraga, em atuação delicada e precisa) e Fábio (Domingos Montagner, em seu primeiro protagonista no cinema, em composição delicada e envolvente) estão se separando, após quase vinte anos juntos. A decisão, no entanto, é mais dela do que dele. Tanto que, ao sair de casa, ele se muda para um apartamento literalmente do outro lado da rua – está saindo, mas nem tanto. Assim, da distância entre duas janelas, prometem recomeçar suas vidas. Mas, é claro, nada será tão simples assim.

Ana é uma personagem em conflito, e talvez essa aparente confusão pela qual atravessa possa ser mal interpretada pelo espectador, que sem lhe dedicar o devido tempo poderá lê-la como difícil, complicada. É uma mulher que abandonou os sonhos da juventude – uma arquiteta que almejava construir uma cidade mais bonita e funcional, e não o labirinto de cinza e concreto que é hoje São Paulo – e que sobrevive identificando imóveis antigos, prontos para a demolição e abrindo espaço para novas construções. Nesse processo, apagam-se histórias, relações e vivências. Insatisfeita consigo mesma, acaba jogando a culpa desse momento difícil para todos os lados. E, como sempre acontece em situações assim, os primeiros a sentir são os mais próximos. Como o marido, que acaba sendo deixado. Ou a filha, ainda que não numa relação direta. A garota passa no vestibular e decide ir estudar em outra cidade, longe dos dois. Ana está sozinha, e precisa aprender a se reinventar.

Fábio, por outro lado, também está sem chão. Mas esse lhe foi tirado, e não por iniciativa própria. A mulher o abandona, mas não o deixa ir longe. A filha se muda, mas está sempre por perto. É um jornalista das antigas, que gosta de sair às ruas para falar com as pessoas, em um momento em que tudo é no virtual. Tanto que acaba perdendo o emprego e, sem saber o que fazer, se vê escrevendo para um blog sobre algo que não sabe para quem não lhe interessa. Ele precisa ir adiante, mas não sabe como. Os caminhos que fez estão impregnados no seu ser – na sua cidade, na sua vida, no seu interior. Pedir para abrir mão de tudo isso é algo muito sério, profundo e difícil. Talvez, por outro lado, seja melhor agir como no momento de tirar um band-aid. Uma decisão radical, um puxão de uma só vez, sem pena nem medo. A dor será instantânea, mas talvez mais fácil de ser superada.

Luiz Villaça, no entanto, tem mais a dizer em De Onde Eu Te Vejo do que apenas apontar duas pessoas prontas a trilhar rumos diferentes. Pois talvez sejam essas diferenças que agora enxergam que façam com que se reencontrem logo ali na esquina. Grandes metrópoles são assim mesmo, se transformam a todo instante, e quando imaginamos estar perdidos, às vezes basta seguir mais alguns passos para que tudo fique familiar novamente. Dizem que toda verdade possui três versões: a minha, a sua e a que de fato aconteceu. Pois isso nada mais é do que reafirmar que tudo depende do nosso ponto de vista, de onde estamos. Afastar-se, enfim, pode ser o mesmo que se aproximar, pois passamos a ver as coisas sob outra perspectiva. E como é bom encontrar aquilo que talvez nem soubéssemos que estávamos procurando. Tanto na vida quanto na ficção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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