Crítica

É curioso que o que mais chame atenção em Cores, estreia de Francisco Garcia na direção de longa metragens, seja o fato do filme, ao contrário do que sugere seu título, ser em preto e branco. É um indício “espertinho”, mas perigoso, que acaba entregando a impressão que o longa deve transmitir para a maioria do público: sua aparência se sobrepõe a sua essência.

A trama acompanha o cotidiano de Luca (Pedro di Pietro), Luiz (Acauã Sol) e Luara (Simone Iliescu). Amigos inseparáveis, os três compartilham a angústia de ver a vida cada vez mais sem rumo à beira dos 30 anos. Luara trabalha numa loja de peixes e sonha viajar para o exterior. Luca mora com a avó, de quem depende financeiramente. Luiz trabalha em uma farmácia e contrabandeia remédios faixa-preta.

Existe uma intenção interessante, um facho de luz, em Cores. Reside na premissa, explicitada pelo diretor em diversos momentos tanto por meio de sua condução como pelo roteiro (co-escrito com Gabriel Campos), de que o crescimento econômico que o Brasil vive hoje não é uma realidade para todos e ainda deixa pessoas à margem. No entanto, uma vez executada, a ideia vira pelo avesso e quase se contradiz.

Afinal, nenhum dos personagens é miserável ou carece de oportunidades para “ser alguém na vida”. Luiz persiste na atitude criminosa e, por mais de uma vez, fala em “se dar bem” – às custas dos outros, claro. Luca insiste na ideia de ser tatuador, por mais falido que seja seu estúdio e, ao invés de usar o dinheiro que rouba da avó para fazer algo de útil da vida, segue optando por tudo aquilo que não levará a lugar algum. Luara, namorada de Luiz, teria tudo para ser a personagem mais interessante do filme: expõe sua visão de mundo por meio de uma Polaroid. Curiosamente, toda essa sensibilidade não serve para que ela perceba o quão inúteis são as atitudes que ela, o namorado e o amigo tomam.

Portanto, se os protagonistas não fazem parte do mundo de aviões que pousam e decolam “sobre suas cabeças” (num plano belamente concebido e cheio de simbolismo), não é em decorrência de um sistema econômico excludente ou de falta de oportunidades: é por pura escolha deles. E é nesse ponto que a aparente crítica social se esvazia, deixando na tela três protagonistas apáticos e perdidos.

Há, é claro, um mérito visual: a fotografia em preto e branco de Alziro Barbosa é das mais belas já realizadas no cinema nacional e a composição dos planos, quase fotográfica em sua estaticidade, diz em imagens o que o roteiro almeja em palavras. Mas nem assim os protagonistas despertam alguma empatia: continuam parecendo um bandinho mimado e deletério, que não dá certo nem pra despertar compaixão.

É possível que uma parcela do público se identifique com o trio e, neste caso, talvez o filme ganhe uma dimensão sentimental interessante. Como diz o Gato Cheshire à Alice, para quem não sabe aonde quer chegar, pouco importa que caminho tomar. Esse sentimento de “se o mundo não dá certo, então também vou ser errado” é a única coisa capaz de ligar público e personagens.

Porém, para quem acredita que significado e propósito só existem para quem os quer, o filme parecerá uma bela – embora talvez desnecessária – elegia à vagabundagem, dando asas inclusive à ideia (bastante reacionária) de que o ócio é pai do vício. Se a intenção do diretor era a crítica, nem as atuações, nem a condução do filme serviram para reforçá-la.

Numa determinada cena, quando Luca sugere que abrirá um negócio, Luiz ironiza: “Já viu vagabundo ser empresário?”. Não. Nem ser protagonista de filme.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
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