Crítica

Contos Extraordinários é um colírio para os olhos de qualquer fã da obra de Edgar Allan Poe. Adaptando com imensa fidelidade os textos do autor e implementando um estilo de animação diferente para cada um dos contos, o cineasta espanhol Raul Garcia fez uma ode aos escritos de terror do cultuado escritor norte-americano. De quebra, ainda chamou (e conseguiu) nomes identificados com o cinema de gênero para servirem como narradores de cada segmento. Portanto, temos Christopher Lee, Bela Lugosi (em gravação de arquivo), Guillermo Del Toro, Roger Corman e tantos outros que emprestam seu talento nessa homenagem ao eterno corvo.

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Ao todo, são cinco contos adaptados: A Queda da Casa de Usher, O Coração Revelador, O Caso do Sr. Valdemar, O Poço e o Pêndulo e A Máscara da Morte Rubra. Fazendo ligação com cada curta, acompanhamos uma conversa entre o escritor Edgar Allan Poe (com voz de Stephen Hughes) transformado em corvo e a morte em pessoa (Cornelia Funke). Nestes pequenos esquetes de ligação, são citadas outras histórias escritas por Poe, como Berenice e o próprio O Corvo.

Na primeira, com narração de Christopher Lee, acompanhamos A Queda da Casa de Usher, clássica história na qual o dono da casa do título se consome pela falta de saúde da irmã, esta que vem a falecer e é enterrada nas dependências do local. Quem assiste a tudo isso é o narrador da trama, que vai até o local a convite de Usher. Os acontecimentos são terríveis e levam ao literal desmoronamento da residência. Utilizando animação 3D que nem sempre se mostra muito bem acabada, este segmento ganha pontos pelo trabalho vocal do ator, o eterno Drácula, e pela boa adaptação da obra para a telona. Uma ótima porta de entrada para o público mais jovem conhecer o trabalho de Poe.

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Em O Coração Revelador, o melhor de todos os curtas, temos a voz de Bela Lugosi como o narrador, retirada de uma gravação de arquivo ruidosa, mas que encaixa bem no projeto. Com animação em preto e branco, cheia de contrastes, praticamente expressionista, acompanhamos a história do homem que, depois de muito desejar, mata o velho que mora sob seu teto. Depois de esconder o corpo debaixo do assoalho da casa, o assassino pensa ouvir o coração de sua vítima, algo que denuncia sua culpabilidade. Um dos mais curtos segmentos, também é um dos mais intensos. Boa parte dessa responsabilidade recai na escrita perfeita de Edgar Allan Poe ao falar sobre a ansiedade e a culpa em seus livros.

O Caso do Sr. Valdemar é um dos mais interessantes no que tange a arte da animação, visto que imita o estilo de histórias em quadrinhos. Na trama, narrada por Julian Sands, conhecemos o homem do título, um sujeito que promete doar seu corpo para um experimento bastante duvidoso concebido pelo narrador da história. Em seus planos, ele pretende hipnotizar seu paciente quando este estiver prestes a morrer, desta forma, evitando o seu passamento. A experiência é realizada com resultados surpreendentes. Aqui, o ritmo da narrativa deixa a desejar e mesmo a força da história e a qualidade da animação acabam sofrendo por esse descuido.

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Já a famosa história do prisioneiro que é deixado amarrado dentro de um poço enquanto uma afiada lâmina se aproxima da vítima, igual a um pêndulo, é transposta para a telona com grande habilidade. O Poço e o Pêndulo é um dos contos mais curiosos de Edgar Allan Poe, até por mostrar sadismo ímpar até para a obra do escritor, e Raul Garcia consegue capturar bem isso, fazendo um curta visualmente interessante, com o jogo de luzes dentro daquela prisão ajudando a construir um clima claustrofóbico ideal para a trama. O diretor Guillermo Del Toro serve com o narrador e se empenha na construção da atmosfera soturna que a história tanto pede.

Por fim, A Máscara da Morte Rubra é o curta mais visual de todos, até por praticamente não utilizar diálogos. Com um estilo de desenho lembrando aquarelas, a história mostra um nobre que tenta fugir da praga que assola a região se enfurnando em seu castelo, mas com a companhia dos demais burgueses da região, em uma festa cheia de luxúria. No entanto, a morte não pode ser deixada de fora. Por ter uma narrativa quase onírica, deixar este segmento para o final não pareceu a melhor opção. Talvez um curta com uma história mais bombástica, como O Poço e o Pêndulo ou O Coração Revelador atingisse um resultado mais impactante para o desfecho da obra.

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Em suma, Raul Garcia faz um trabalho interessante e que deve chamar a atenção dos fãs de Edgar Allan Poe por sua esmerada dedicação ao projeto. Como dito anteriormente, embora sejam contos com alta carga psicológica, acaba parecendo um filme que serve como porta de entrada para os mais jovens conhecerem os textos do escritor norte-americano, os levando a ler seus contos e poemas. Caso o longa-metragem consiga fazer isso, produzir uma nova leva de admiradores de Poe, sua tarefa estará mais do que bem realizada.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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