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Sinopse

Depois de ouvirem boatos a respeito de um cadáver na mata, quatro meninos de uma cidade interiorana dos Estados Unidos saem numa jornada a fim de se tornar famosos por revelar o paradeiro de um garoto desparecido. 

Crítica

Conta Comigo marcou época como um dos filmes mais definitivos já feitos sobre a Amizade. Paradoxalmente, o longa dirigido por Rob Reiner (provavelmente a sua obra-prima) é atemporal em seus temas, como lealdade, amadurecimento, inocência e nostalgia, mas também se mostra enraizado no cinema da década de 1980 – reforçando alguns valores presentes em títulos como Os Caça-Fantasmas (1984), De Volta Para o Futuro (1985), Os Goonies (1985) e E.T.: O Extraterrestre (1982), entre outros. Portanto, hoje, o envelhecimento do projeto acaba contando a seu favor, já que o torna oriundo do passado, fortalecendo sua carga dramática ao discutir um tópico familiar a qualquer ser humano: o inevitável fim da infância.

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Adaptada do conto O Corpo, de Stephen King, a história é uma rara exceção na carreira do escritor norte-americano, já que se afasta dos habituais argumentos paranormais ou de horror. Na essência, entretanto, são mantidos vários dos elementos comuns à sua bibliografia, como o luto por um ente querido, o imaginário infantil frente a um mistério e o mais recorrente deles: ter como figura central um contador de histórias. Assim, somos introduzidos a Gordie (Wil Wheaton na versão jovem, Richard Dreyfuss quando adulto), que ainda lida com a recente perda do irmão mais velho (John Cusack), quando é chamado pelos amigos Vern (Jerry O’Connell), Teddy (Corey Feldman) e Chris (River Phoenix) para irem encontrar um corpo. Um deles fica sabendo do possível paradeiro do cadáver de um menino desaparecido, e os quatro deduzem que ficarão famosos se forem eles a descobrirem o local. Com parcos mantimentos, dignos do inventário de garotos de 12 anos, o quarteto parte em uma jornada seguindo sempre os trilhos do trem.

Claro que o arco percorrido pelos protagonistas é, de fato, uma metáfora sobre o amadurecimento (O Corpo é um dos quatro contos do livro As Quatro Estações, de King, e representa o que o autor chama de Outono da Inocência). Assim, embora sempre visto pelo ponto de vista de Gordie, o longa encontra espaço para que todos os meninos tenham seus próprios momentos de catarse, com o trem que percorre as linhas que eles seguem servindo não só como a entidade monstruosa esperada em um conto de Stephen King, mas também como uma representação da vida em si – responsável pela morte do desconhecido de quem o corpo eles procuram –, a enorme locomotiva mais de uma vez é o estopim que gera conflitos no grupo, vista tanto como um obstáculo intransponível como algo que os força a literalmente apressarem a sua trajetória. Desse modo, a gangue de arruaceiros encabeçada por Ace (Kiefer Sutherland) não deixa de ser uma visão daquilo em os garotos irão se tornar caso se deixem ser pegos pelo(a) trem/vida.

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Essa noção de amadurecimento através do enfrentamento da finitude (o encontro com o tal cadáver), aliás, é apropriada à idade dos personagens (na juventude é comum ignorar que um dia morreremos), que demonstram, cena após cena, estarem cada vez mais distantes de figuras imorais e selvagens como Ace, e ao mesmo tempo mais próximos de pessoas adultas e, claro, humanas. “Nunca contei isso a alguém”, narra Gordie ao descrever um encontro que ele teve com um cervo no meio da mata, simbolizando não só sua maturidade em apreciar um momento singular, como também o respeito pela vida que a jornada está lhe garantindo ter. Enquanto isso, o Teddy de Corey Feldman (ator mirim recorrente na filmografia dos anos 1980, esteve em Os Goonies, Gremlins, 1984, e em Os Garotos Perdidos, 1987, também) é talvez o mais intrigante entre eles. Filho de um ex-combatente da Segunda Guerra, exibe no rosto cicatrizes que o pai lhe proporcionou em um ataque de fúria, e se mostra o mais relutante dos quatro em abraçar a resolução da sua jornada – por um lado porque tem orgulho dos feitos do pai como soldado, e, por outro, pois parece temer se tornar algo mais civilizado do que esse homem de quem tanto se orgulha.

Porém, é mesmo Chris Chambers o personagem mais cativante de Conta Comigo, e muito devido ao seu fantástico intérprete: River Phoenix. Apresentado como o típico white trash, um projeto de delinquente pronto para seguir os passos de seus irmãos, o jovem logo se revela o completo oposto dessa predisposição. Tutorando seus amigos, em especial Gordie, ele claramente se sente responsável pela segurança e união do trio. Logo se compreende que Chris já enfrentou aquela jornada de amadurecimento muito mais cedo do que seus colegas, e que agora tenta pastoreá-los em um bom caminho. Entretanto, apesar desse paternalismo, ele também se converte em uma figura complexa ao revelar seus próprios conflitos – e é aqui que a escalação de Phoenix se mostra um diferencial que ajudou o filme a se tornar um jovem clássico, protagonizando, ao lado de Wil Wheaton, dois dos melhores e mais tocantes momentos do projeto.

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Ainda embalado por uma coleção de canções escolhidas a dedo, Conta Comigo continua extraindo força de temas universais (o que impede que se torne anacrônico), encontrando as monstruosidades típicas de Stephen King em elementos muito reais e, por isso mesmo, talvez mais assustadores do que as habituais ocorrências paranormais inventadas pelo escritor. É uma pequena obra-prima, poderosa em sua mensagem e eficiente em evocar sentimentos, entre eles, a nostalgia de uma época mais inocente – mesmo que ela seja diferente para cada espectador.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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