Crítica


8

Leitores


9 votos 8.4

Onde Assistir

Sinopse

Uma equipe de cinegrafistas viaja a Cochabamba, na Bolívia, para fazer um filme a respeito da conquista espanhola. Ao chegarem lá, acabam envolvidos em uma revolta popular por causa da privatização no abastecimento de água na região. As personagens principais, Sebastián e Costa, desenvolvem seus conflitos cada qual de uma maneira, à medida em que se vêem mergulhados na difícil tarefa de produzir o filme e lidar com o caos crescente.

Crítica

Qual a importância da arte quando estamos diante dos riscos da nossa própria sobrevivência? Essa parece ser a pergunta feita durante todo o desenrolar da trama de Conflito das Águas, belo e poderoso trabalho da cineasta espanhola Icíar Bollaín, atriz de filmes como Terra e Liberdade (1995) e realizadora ocasional, talvez mais lembrada por títulos como Flores de Outro Mundo (1999), premiado no Festival de Cannes, e Te doy mis ojos (2003), pelo qual ela ganhou o Goya – o Oscar espanhol – de Melhor Direção e Roteiro Original. Dessa vez ela retorna com um drama que possui mais de um nível de compreensão, e sob todos os aspectos de leitura apresenta uma rigidez formal e uma preocupação social de alta relevância. Uma obra concisa, precisa, atual e, ao mesmo tempo, de grande influência histórica.

Gael García Bernal é Sebastián, um cineasta que sonha recontar a saga do descobrimento da América sob a ótica não somente dos vencedores, mas também dos vencidos, revelando o massacre que ocorreu com os índios colonizados. Outra preocupação dele se revela num importante cuidado de veracidade segundo uma ótica espanhola, ao contrário do didatismo massificado hollywoodiano. Seu braço direito e produtor, Costa (Luis Tosar, de Cela 211, 2009, mais uma vez excelente), no entanto, pensa sempre pelo lado mais prático, e é por isso que a produção começa a ser filmada no interior da Bolívia, muitos quilômetros de distância de onde os fatos que serão narrados de fato aconteceram. Nada, no entanto, que a magia do cinema não dê um jeito.

Mas há um problema ainda mais premente: a pequena vila escolhida para as locações enfrenta uma grave crise de abastecimento de água, motivado pela interferência de uma multinacional que deseja controlar o fornecimento hidráulico da região, cobrando valores que até podem ser justos dentro de um padrão internacional, mas que soam como exorbitâncias para os habitantes daquela comunidade. E o que se vê é um forte e evidente paralelo: ao mesmo tempo em que durante as filmagens os extras locais precisam se pintar de índios e trocar ouro por migalhas diante de um Colombo austero e impiedoso, após o trabalho serão estas mesmas pessoas – personificadas no líder interpretado pelo estreante Juan Carlos Aduviri, que merecidamente foi indicado ao Goya como Ator Revelação – que terão que pegar megafones, pedras e porretes para lutar contra um governo vendido à opressão estrangeira, pois somente assim poderão fazer algo para impedir que a história mais uma vez se repita.

A tensão entre os dois extremos – a ficção cinematográfica e a denúncia armada social – ficará cada vez mais próxima com o passar dos dias, até o ponto em que uma passará a interferir na outra, afetando-as mutuamente de modo irreversível. “Mas o cinema irá eternizar essa batalha”, afirma o artista. “Porém há coisas mais importantes do que apenas um filme”, rebate o rebelde inquieto. Se os dois possuem suas razões, quem será contra eles? Com um roteiro inteligente, sem mocinhos nem bandidos, apenas a realidade tal qual ela é, Conflito das Águas envolve o espectador com um discurso reto e pertinente, mostrando que nem sempre mudamos para melhor.

Com treze indicações ao Goya – inclusive à Melhor Filme – ganhou em três categorias: Melhor Trilha Sonora, para Alberto Iglesias, parceiro frequente de Pedro Almodóvar e já três vezes indicado ao Oscar; Direção de Produção; e Ator Coadjuvante, para Karra Elejalde, que compõe um astro cansado e atirado à bebida que demonstra relances de genialidade cada vez que o personagem Cristóvão Colombo surge de dentro dele). Conflito das Águas foi indicado também ao European Film Awards e premiado na mostra Panorama do Festival de Berlim. Reconhecimentos à altura de uma obra intensa e muito bem feita, em que é difícil destacar um ou outro ponto isolado, pois é na soma do conjunto que apresenta onde reside sua maior força.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
8
Francisco Carbone
7
MÉDIA
7.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *