Crítica

Sem tradição no cinema de horror, os poucos cineastas brasileiros que se aventuram por essa seara acabam relegados ou a uma posição icônica (Zé do Caixão é o melhor exemplo) ou a uma postura marginal (como Rodrigo Aragão, premiado no exterior, porém sem conseguir lançar seus filmes nos cinemas nacionais). Na contracorrente surgem os nomes de André de Campos Mello (experiente em curtas e na televisão) e Marcos DeBritto (também autor do roteiro), que fazem de Condado Macabro um bom representante do gênero, dono de uma veia pop pulsante e ainda assim sem medo de assumir riscos que poderiam afugentar aqueles em busca de um viés mais comercial. E mesmo sem reinventarem a roda, entregam um produto bem acabado e que cumpre sua função sem ressalvas.

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A fórmula é a mesma já vista em tantas outras produções similares: cinco amigos decidem aproveitar um feriado em um casarão no meio da floresta, e tudo corria bem até o momento em que assassinos surgem para estragar a festa. Este formato, explorado à exaustão pelo cinema hollywoodiano em especial, volta e meia é revisitado por realizadores estrangeiros, que adicionam toques de originalidade e sabor local à combinação. Neste caso em específico, temos dois palhaços de feiras do interior e cenas da pequena Paranaíba (MS), que serviu de locação para a história. Mas os diferenciais vão além das aparências. Diálogos rápidos e ditos com propriedade, atuações convincentes e uma edição ágil e bem estudada colaboram decisivamente para o bom resultado final.

De imediato nos deparamos com Cangaço (Francisco Gaspar, de A Estrada 47, 2014), um palhaço todo ensanguentado que é interrogado pelo investigador Moreira (Paulo Vespúcio, de Tudo que Deus Criou, 2015) por ser o principal suspeito dos crimes hediondos ocorridos em uma casa afastada da cidade. Jurando inocência, à medida que seu relato prossegue vamos descobrindo a origem dos fatos. Sua visão ajuda a compreender melhor parte do que aconteceu, mas há muito o que se desenrolar ainda. No caminho, os jovens pedem orientações à Bola 8 (Fernando de Paula), que trabalha em parceria com Cangaço. Os dois, então, decidem aplicar um golpe nos adolescentes. Mas o que tinha tudo para ser um roubo tranquilo acaba se transformando em um banho de sangue quando uma outra dupla invade o mesmo lugar, mais interessados em assassinar qualquer um que aparecer no caminho do que em busca de lucro rápido.

Condado Macabro é um filme de terror do subgênero slasher, e não poupa referências nem exageros para se valer como tal. Mas é um representante com orgulho, que se assume como tal e investe com coragem nas possibilidades que vão sendo apresentadas. Leonardo Miggiorin e Rafael Raposo (Noel: O Poeta da Vila, 2006) são os rapazes em apuros, e enquanto o primeiro tenta bancar o tipo herói tímido, o segundo rouba a cena como o malandro sem noção que só pensa em se dar bem com uma das garotas (Bia Gallo, Larissa Queiroz e Olívio de Brito, todas estreantes). E se os desenlaces entre os amigos – conquistas e frustrações, cantadas e arrependimentos – e os planos escusos dos palhaços parecem suficientes para despertar o interesse do espectador curioso, resta ainda a presença de Jonas (Beto Brito), personagem com potencial de se tornar tão icônico quanto Jason ou Freddy Krueger.

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Premiado como Melhor Longa Nacional no Fantaspoa – Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, Condado Macabro tem legítimos momentos de terrir, porém vai além do mero besteirol com sustos eficientes e um enredo que adiciona reviravoltas eficientes e tipos carismáticos ao seu desenvolvimento, surpreendendo até as expectativas mais exaltadas. Divertido e envolvente, consegue mais do que o mero lugar-comum tão presente em produções de baixo orçamento semelhantes, sem mencionar que disfarça com competência qualquer tipo de carência técnica. Uma boa surpresa, que merece ser descoberta com entusiasmo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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