Crítica

As voltas que o mundo dá. Definitivamente, vivemos em um universo pequeno demais para tanta gente, tantos anseios, tantas vontades, desencontros e realizações. É mais ou menos essa a ideia por trás de Circular, uma obra que é cilíndrica desde o seu conceito até a realização. Foi dirigida por um grupo de cinco amigos e colegas da Escola Superior Sul Americana de Cinema e TV, integrada à Faculdade de Artes do Paraná, que conceberam esse trabalho em conjunto após outras experiências individuais e em coletivo. E o resultado, se já era esperada a sua irregularidade, felizmente se destaca por possuir mais pontos positivos do que negativos.

Aly Muritiba, Fábio Allon, Adriano Esturillo, Diego Floretino e Bruno de Oliveira são os responsáveis por estas cinco histórias de personagens diversos que se cruzam por uma Curitiba fria e distante, mas nunca desprovida de uma vivacidade pulsante. Cada um ficou responsável por um segmento específico, mas isso não significa ausência de interferência dos demais durante cada direção: todos estavam sempre juntos, e esse processo colaborativo somou muito ao projeto como todo. Percebe-se, é fato, alterações durante cada narração, mas no todo o que se vê é coeso e uniforme, sem grandes distorções. E esse talvez seja uma dos maiores méritos de Circular.

Quantos dias cabem em um único dia? Atrás dessa resposta é que se move a ação do filme. Carlos (César Troncoso) é um uruguaio que precisa saldar uma dívida para evitar uma tragédia pessoal. Samuel é um evangélico com problemas familiares que luta para sustentar a filha pequena e esquecer da ex-mulher. A banda punk Gengivas Podres passa seus últimos momentos pelas ruas da cidade que sempre lhes acolheu antes de partir para São Paulo em busca de um sucesso que nem sabe se almeja. Cristina (Leticia Sabatella) é uma artista plástica viciada em remédios. E Lourival é um cobrador de ônibus que completa o orçamento familiar lutando boxe em disputas amadoras. O que todas estas tramas possuem em comum? Muito pouco, além da incrível vontade de chegarem vivos e realizados no final do dia. De cada dia.

Do elenco de Circular se destacam, obviamente, os nomes mais populares de Troncoso e de Sabatella, ambos atuando dentro de um registro conhecido – e não por isso menos competente. Mas isso não significa que os demais protagonistas tenham menos destaque. Santos Chagas (o cobrador de ônibus) e Marcel Szymanski (o evangélico) também compõem tipos memoráveis, desaparecendo dentro dos personagens que defendem. Em relação aos punks, talvez Luiz Bertazzo, o mais indeciso sobre o destino do grupo, seja o que tenha melhores oportunidades em cena. No geral, o que se vê é bastante uniforme, algo saudável em uma proposta tão diversificada quanto esta.

Premiado no FestCine Goiânia (Melhor Roteiro, Ator e Montagem), no Festival de Blumenau (Roteiro, Ator e Fotografia) e no Festival de Maringá (Roteiro), Circular foi também selecionado para os festivais de Havana (Cuba), Shangai (China), Toronto (Canadá), Flandes (Bélgica) e Hollywood Brazilian Film Festival, em Los Angeles (EUA). Um giro global que demonstra bem a universalidade de uma obra adulta, dona de méritos próprias e que justifica maiores interesses despertados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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