Crítica

O novo filme do conceituado diretor David Mamet chegou aos cinemas nacionais precedido de muita expectativa, principalmente devido à participação dos astros brasileiros Rodrigo Santoro e Alice Braga no elenco. Mas todo esse auê em nenhum momento se justifica: além da história ser fraca e repleta dos mais tradicionais clichês do gênero “filme de luta”, os personagens defendidos pelos nossos conterrâneos são muito periféricos e quase desinteressantes. Mas nem precisaria afirmar o óbvio – afinal, é só conferir o desempenho pífio do longa nas bilheterias (tanto americanas quanto por aqui) e no total descaso da crítica em relação à produção. Cinturão Vermelho, apesar das boas intenções, em nenhum momento cumpre o que promete.

A trama é bem convencional: o herói solitário, que se descobre traído por todos ao seu redor e precisa se apoiar unicamente nos seus valores e ideais para conseguir superar as adversidades e conquistar a honra almejada. À frente do elenco está Chiwetel Ejiofor, um daqueles atores que já vimos em vários trabalhos, porém nunca lembramos de onde. Ele começou a chamar atenção em Amistad (1997), de Steven Spielberg, e Coisas Belas e Sujas (2002), de Stephen Frears, para depois demonstrar mais desenvoltura em projetos como Melinda e Melinda (2004), de Woody Allen, Quatro Irmãos (2005), de John Singleton, O Plano Perfeito (2006), de Spike Lee, Filhos da Esperança (2006), de Alfonso Cuarón, e O Gângster (2007), de Ridley Scott. Mas não foi nenhuma destas atuações que o levaram até Cinturão Vermelho. Mamet afirmou ter se convencido de que ele seria o ator ideal para o seu protagonista ao conferir uma quase desconhecida comédia britânica, a divertida Kinky Boots – A Fábrica dos Sonhos (2005), de Julian Jarrold, em que Chiwetel aparece como uma drag queen especialista em botas escandalosas. Esta interpretação lhe rendeu uma indicação como Melhor Ator no Globo de Ouro e mostrou sua diversidade enquanto intérprete. E de Simplesmente Amor (2003), de Richard Curtis, vem a amizade com Rodrigo Santoro (que estava neste filme também), o que acabou gerando este novo trabalho em conjunto.

Ejiofor é Mike Terry, professor de jiu-jitsu que evitou o circuito de lutas para se dedicar ao verdadeiro espírito da técnica. Porém, dívidas, brigas familiares e outros azares o acabam empurrando a uma competição, até o momento em que descobre estar envolvido numa armação ilegal, corrompendo todos os valores que sempre pregou. Além do seu bom desempenho, outros com performances de destaque são Tim Allen (Heróis Fora de Órbita), abandonando os trejeitos de comediante, e a própria Alice Braga, que aparece como a esposa de Terry. Com uma ótima dicção e quase sem sotaque, ela dá vida a uma brasileira morando nos Estados Unidos, o que justifica as falas em português se alternarem com as em inglês. Santoro é um primo dela, arranjador de lutas e, ambos, podem ser considerados “vilões”, apesar desta definição não ficar muito clara. Ele tem cerca de três cenas em toda a história, o que provocou até uma brincadeira por parte dele sobre o destaque que recebeu no cartaz nacional.

David Mamet é um grande escritor, indicado ao Oscar (pelos roteiros de O Veredito, de 1982, e Mera Coincidência, de 1997), reinventou a série clássica Os Intocáveis (1987) para o diretor Brian De Palma e já ganhou prêmios como o Leão de Ouro no Festival de Veneza e o Pulitzer. Um profissional com um currículo destes até pode se dar ao luxo de brincar um pouco e satisfazer o ego. E foi justamente o que fez em Cinturão Vermelho. O próprio Mamet é praticante de jiu-jitsu há anos, e foi por causa da sua paixão pelo esporte que decidiu criar esta trama e levá-la às telas. Mas obviamente é um trabalho menor dentro do seu histórico. Ao conversar com Santoro e Braga, ambos afirmaram que aceitaram fazer parte do projeto só pela oportunidade de trabalhar com Mamet. Acredito que o mesmo possa ser dito de quase todos os demais atores. Já para o espectador, que não terá a mesma sorte, fica a opção entre conferir um enredo batido e nada original ou se concentrar nos pontos fortes, como as atuações, os diálogos e a estrutura narrativa, que mesmo diante um material tão fraco por vezes consegue surpreender. Cinturão Vermelho não é um desastre completo, mas está muito longe de atingir todas as suas potencialidades.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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