Crítica

Em tempos de debates cada vez mais constantes sobre o feminismo e o empoderamento das mulheres, é sempre interessante observar como estes temas são tratados pelo cinema, especialmente por cinematografias de países mais conservadores, como a Turquia, por exemplo. Estreando na direção de longas, a cineasta turca radicada na França, Deniz Gamze Ergüven, apresenta em Cinco Graças um panorama atual sobre a posição da mulher dentro da cultura de seu país de origem através de uma trama que acompanha o cotidiano de cinco jovens irmãs que, após perderem os pais, são criadas com rigidez pela avó e pelo tio.

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Certo dia, ao voltarem da escola, as irmãs param na praia e se divertem de modo descontraído com alguns garotos. A inocente atitude, porém, é vista como um ato imoral por alguns vizinhos, e os comentários pejorativos logo se espalham pelo pequeno vilarejo. Para contornar o que consideram um escândalo, a avó e o tio tomam uma atitude drástica, isolando as garotas do contato com o mundo fora de sua casa e com tudo aquilo que possa “desvirtuá-las”. Assim, o uso do telefone e do computador passa a ser proibido, suas roupas são substituídas por vestidos castos e as aulas na escola são trocadas por aulas sobre afazeres domésticos, para que seus casamentos possam ser arranjados o quanto antes.

O conflito de gerações é evidente desde os primeiros minutos do longa, já que mesmo que possuam traços de personalidade distintos, as cinco garotas dividem o instinto de curiosidade típico das fases da adolescência pelas quais estão passando. Mesmo confinadas, as irmãs desafiam as regras de seus tutores, e por consequência as regras da sociedade, em busca de liberdade. Com um olhar atento e uma câmera que se movimenta com fluidez, Ergüven registra os momentos de cumplicidade entre as personagens com bastante delicadeza, o que faz com que suas descobertas – sobre o sexo, paixão, desilusão, perda – surjam com naturalidade. Essa interação espontânea entre as cinco atrizes é a principal ferramenta que a cineasta dispõe para tornar sua narrativa envolvente e sincera.

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Outro acerto de Ergüven é tomar o ponto de vista da irmã mais nova, Lale (Günes Sensoy), como guia para o espectador. Ainda que sua narração em off soe didática e pudesse ser deixada de lado, Lale é aquela que ainda possui um futuro maior pela frente, que tem uma chance mais concreta de alterar o seu papel como mulher neste meio repressor. É como se a garota acumulasse todos os diferentes anseios de suas irmãs e coubesse a ela a função de se rebelar contra esta situação. Não à toa, parte de Lale a ideia de fugir para acompanhar uma partida de futebol com público exclusivamente feminino, já que devido a um confronto de torcidas os homens foram proibidos no estádio. Utilizando a caçula como interlocutora, a cineasta tem nas quatro garotas restantes meios para apresentar as possibilidades, muitas vezes trágicas, do que pode ocorrer às mulheres em uma cultura machista. E é a partir deste momento que o filme mostra algumas fraquezas.

Ainda que compreensível dentro do contexto apresentado, a tragédia que serve como ponto de virada na trama soa um pouco abrupta e sem a devida construção dramática para causar maior impacto. Há também certas passagens menos verossímeis no último ato, e se a diretora consegue ser sutil em alguns simbolismos – Lale trocando os chinelos pelos sapatos, como num gesto de amadurecimento – em outros é extremamente direta – como o livro sobre sexo. A transformação da casa em uma espécie de prisão também acaba carecendo de um sentimento de claustrofobia mais latente, já que mesmo com novas grades e portões, em quase todos os momentos a luz atravessa as barreiras e se faz presente no ambiente, abrandando o enclausuramento das garotas.

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Mas, no fim das contas, talvez essa luminosidade seja necessária a Ergüven e represente sua esperança. Uma luz que guie a jornada de crescimento de suas personagens por caminhos que partem ao encontro de uma figura que simbolize a mudança, a mulher moderna e independente, como a professora de Lale. Uma caminhada que transmita a mesma liberdade de abrir os braços ao vento na caçamba de uma caminhonete, como fazem as cinco irmãs em umas das belas sequências do longa.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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