Crítica


5

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Uma organização misteriosa está assassinando todos os agentes secretos do mundo. Afastado da ativa, James Bond, do Serviço Secreto Britânico, volta para conspirar contra esse inimigo.

Crítica

Lançado em 1967, ano conhecido pela psicodelia generalizada no mundo das artes, Cassino Royale se mostrou um imenso sucesso de público e um terrível fracasso de crítica. Os dois extremos são explicáveis. O elenco cheio de talentos e a sátira aos populares filmes de James Bond dão conta da bilheteria maiúscula. Por outro lado, os egos incontroláveis dos astros, junto de um roteiro sem pé nem cabeça e uma total incomunicabilidade entre os segmentos dos cinco diretores responsáveis pelo longa-metragem acabam por justificar a má vontade do corpo crítico à época de seu lançamento. Vista atualmente, a sátira dirigida a dez mãos (John Huston, Ken Hughes, Joseph McGrath, Robert Parrish e Val Guest) continua confusa, mas o fato de termos nomes como Peter Sellers, David Niven, Orson Welles, Woody Allen e Deborah Kerr dividindo a tela acaba por conquistar a simpatia do espectador. Nem que seja apenas para rir da bagunça do pacote.

Oficialmente, o roteiro foi assinado por Wolf Mankowitz, John Law e Michael Sayers, mas as histórias dos bastidores dão conta de que muitos passaram suas mãos no script. Boa parte das falas de Woody Allen, por exemplo, já faziam parte de seus números cômicos de stand up. Billy Wilder teria colaborado com algumas falas, assim como Terry Southern, dando atenção especial ao personagem de Peter Sellers – que se mostrou dificílimo nos sets, tendo sido demitido antes do fim das filmagens. O cineasta Val Guest se viu obrigado a criar novas cenas para dar algum sentido ao desaparecimento abrupto do personagem de Sellers, maximizando a participação de Ursulla Andress (a Bondgirl de 007 contra o Satânico Dr. No, 1962) e David Niven. Na trama, Sir James Bond (Niven) precisa deixar sua aposentadoria para deter as maquinações da organização criminosa russa SMERSH. Em seus planos, a mudança do nome de todos os espiões para James Bond (para confundir os inimigos) é logo implantada. Entre outros objetivos, a caça ao enigmático Le Chiffre (Welles) passa pela contratação do exímio jogador de bacará Evelyn Tremble (Sellers), que precisa vencer o vilão em um grande cassino. Antes disso, a novata espiã Mata Bond – filha ilegítima de Mata Hari com 007 – se infiltrará em uma escola alemã para roubar artefatos importantes para Le Chiffre, inviabilizando seus planos. Mal eles sabem que o verdadeiro cabeça de toda a operação é um homem que trabalha nas sombras e atende pelo nome de Doutor Noah.

A história é mera desculpa para diversas piadas com a franquia oficial de James Bond. Na época, quatro filmes haviam sido lançados, todos estrelados por Sean Connery, e com grande resposta do público. Com os direitos da primeira trama escrita por Ian Fleming com 007 como protagonista, os produtores de Cassino Royale decidiram partir para o caminho da sátira, visto que o orçamento impossibilitaria algo mais sério. Curiosamente, a profusão de astros e de diretores acabou elevando os custos de tal forma que seria viável, com uma produção mais calibrada, suplantar os filmes estrelados por Connery – que é citado veladamente por Niven, que compara o personagem a um maníaco sexual. As histórias de bastidores são quase mais interessantes que o filme em si. Peter Sellers não se deu bem com Orson Welles e se recusou a participar das cenas com o astro. Desta forma, o diretor do segmento Joseph McGrath tinha que se virar em dois para gravar as partes dos atores separadas. Este desentendimento contribuiu para a demissão de Sellers, que – aparentemente – sonhava em interpretar uma versão séria de James Bond. Welles, por sua vez, encaixou números de mágica em sua performance, fazendo basicamente o que queria no set. Nem John Huston, o diretor mais renomado do grupo, se viu ileso. Além de interpretar um pequeno papel, o cineasta viu suas diárias extrapolarem o contrato que havia assinado, tendo de passar adiante a direção de suas cenas para Val Guest – que quase ganhou crédito de “coordenador de direção”, não aceito por ele. “Se acharem que eu coordenei alguma coisa nesse filme, minha carreira está arruinada”, disse.

Apesar dos problemas enormes, Cassino Royale guarda alguns momentos inspirados. As cenas de Woody Allen são hilárias, David Niven é um respeitável James Bond e Peter Sellers diverte, aqui e ali, com sua verve espontaneamente atrapalhada. A trilha sonora de Burt Bacharach é um primor e a faixa executada por Dusty Springfield, The Look of Love, indicada ao Oscar, caberia em qualquer filme oficial de James Bond. Psicodélico e divertidamente sem sentido, este pastiche até pode não ser uma produção redonda, mas os trechos que dão certo acabam por desculpar as demais sequências descartáveis.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
avatar

Últimos artigos deRodrigo de Oliveira (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *