Crítica

Cartel Land formaria uma sessão dupla perfeita com Sicário: Terra de Ninguém (2015), drama policial do diretor franco-canadense Denis Villeneuve, também indicado ao Oscar. Ambas as produções mostram um retrato impactante do tráfico de drogas na borda entre México e Estados Unidos, mas, principalmente, capturam o momento em que uma força criada para o bem acaba se transformando em algo tão maléfico quanto o veneno que tentava neutralizar. A diferença entre as duas produções é que Cartel Land é um documentário, tão cru e contestador quando poderia ser.

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Dirigido por Matthew Heineman, o documentário mostra o trabalho de cidadãos comuns que decidiram fazer justiça com suas próprias mãos. As milícias têm sido um caminho adotado pela população quando fica nítida a inaptidão da força policial no combate aos traficantes, os senhorios de algumas localidades. O trabalho destes justiceiros, no entanto, acaba se mostrando tão pernicioso quanto os bandidos que tentam enfrentar. Com armas em riste e intenções escondidas, estes homens acabam ganhando um poder difícil de destituir no futuro. O documentário mostra o lado norte-americano e o lado mexicano da questão. No México, conhecemos o médico José Mireles, comandante dos “Autodefensas”, homem que precisa se retirar dos holofotes quando um “acidente” quase tira sua vida. Nos Estados Unidos, o foco está em Tim Foley, líder de uma força paramilitar que cuida da fronteira do Arizona, na tentativa de impedir que a droga entre no país.

É notável o que Heineman atinge em Cartel Land. A proximidade com que ele filma o trabalho destas milícias – e o fato de ter conseguido conversar e filmar o grupo de traficantes que são o alvo dos justiceiros – é simplesmente impressionante. O desenrolar dos fatos, como o aumento do poder dos Autodefensas e posterior evolução da milícia, vai acontecendo diante dos nossos olhos, talvez até surpreendendo o próprio cineasta, que não teria como prever este desenvolvimento antes do início das filmagens. Chame de sorte, chame de talento, o que interessa é o material capturado pela equipe do filme, que consegue costurar esta sequência de eventos com a rotina de Mireles, não mais o líder do grupo. Ele passa a entender as consequências deste jogo tão logo perde seu espaço para um novo chefe, apelidado de “Papai Smurf”.

A mensagem do filme é bastante clara, mas é pouco provável que os retratados tivessem sapiência disso de antemão. É lógico que Heineman é crítico a respeito das milícias, mas isso se dá através da edição, não dos depoimentos capturados no dia a dia. Inteligente como é, o diretor sabia que bastava acompanhar estes justiceiros para conseguir o material que precisaria para construir este contundente trabalho. O filme não dá soluções e talvez nem tivesse como fazê-lo. Cartel Land apenas aponta para um problema sério e que pode ser ainda pior, caso as milícias passem a ganhar ainda mais liberdade para operar. Um documentário duro, porém necessário.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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