Crítica


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Sinopse

Mona sempre sonhou em ser atriz. Ao sair do conservatório, ambiciona um futuro brilhante pela frente, mas é Sam, sua irmã mais nova, que logo se torna uma atriz famosa. Sem recursos, Mona é obrigada a morar com Sam, que, fragilizada por uma filmagem difícil, propõe que Mona se torne sua assistente. Aos poucos, Sam vai negligenciando seus papéis de atriz, de esposa e de mãe e acaba se perdendo. Mona acredita que deve se apossar dos papéis que Sam abandona.

Crítica

É uma pena que os cineastas estreantes (e irmãos) Jérémie e Yannick Renier contenham o potencial devastador dos relacionamentos fraternais de Carnívoras, insinuado frequentemente nas bordas das interações íntimas e pessoais. Fosse mais impetuoso e potente, como no encerramento, em que os realizadores permitem a erupção de uma violência descabida e inominável, o longa-metragem, fundado numa ligação fraturada por inúmeros senões, seria um exemplar perturbador. Todavia, ainda assim, há alguns pontos positivos na abordagem da convivência desconjuntada da primogênita Mona (Leïla Bekhti) com a caçula Samia (Zita Hanrot). A primeira assume uma postura retilínea, basicamente recatada, demonstrando responsabilidade. Desempregada, ela pede abrigo à segunda, atriz de renome, mulher temperamental que enfrenta sérias dificuldades com seu novo papel, e cujas demandas domésticas lhe soam demasiadas por diferirem bastante de seu espírito inquieto.

Os cineastas deflagram nas entrelinhas os danos emocionais que a superfície geralmente dá conta de esconder, instaurando um bom clima de estranhamento. As indefinições, ora fruto do desajuste a ser exposto, ora decorrência da inexperiência diretiva para correlacionar camadas, fazem com que o enredo permaneça frouxo, mas arejado por ocasionais tensões subjacentes. A mãe das duas, interpretada por Hiam Abbass, é praticamente uma figurante, pois diz, quando muito, meia dúzia de palavras. Porém, nas vezes em que as três mulheres estão juntas, sobressai o desconforto que denota a existência de feridas não cicatrizadas. O choro de Samia na sessão dos vídeos caseiros antigos é um sintoma claro disso. Contudo, Carnívoras hesita excessivamente, parece com medo de cair numa vala comum se ampliar a investigação para além de sugestões esporádicas e sinalizações sutis de um passado que, então, permanece acessível apenas aos personagens, mas obscuro ao espectador à mercê das leves reviravoltas.

O cineasta autoritário, vivido por Johan Heldenbergh, é incompatível com Samia. Ela recorre à irmã para ajuda-la a decorar o texto, mas acaba derrotada por seus fantasmas, desaparecendo sem mais aquela após externar a vontade de morrer. Jérémie e Yannick Renier promovem essa virada brusca para acentuar a rivalidade das irmãs e o torvelinho de sensações que as atravessa lentamente. O acontecimento acarreta o surgimento abrupto de uma dinâmica mimética, assim adicionando outra significativa vertente à narrativa, tampouco desenvolvida sem percalços oriundos da falta de precisão da condução. O papel de Manuel (Bastien Bouillon) é subaproveitado como catalisador dessa hostilidade crescente entre a esposa e a cunhada, servindo apenas para demarcar os territórios a serem conquistados por uma delas. A contradição de Mona reside no fato dela apresentar severas restrições ao comportamento da irmã e, paradoxalmente, ambicionar veladamente suas múltiplas conquistas, seja na seara amorosa ou profissional.

Mesmo, no fundo, achando-se melhor atriz e amante, a primogênita se depara com o insucesso, enquanto seu modelo de “errado” vence. Carnívora constantemente ensaia enveredar para uma exposição visceral desse tortuoso amor, sentimento desfigurado por frustrações e outras formas de distorção. Jérémie e Yannick Renier se esmeram para gerar uma atmosfera condizente com essa severa ebulição familiar que reside logo abaixo do socialmente aceitável. Ainda dentro das qualidades do filme, os desempenhos de Leïla Bekhti e Zita Hanrot se encarregam das nuances que os papeis exigem, de evidenciar a crescente incompatibilidade que faz insustentável o contato cotidiano, sem que uma deseje jogar banalmente na cara da outra as objeções. Todavia, falta coragem aos realizadores para dar ao percurso os contornos de selvageria que irrompem nos instantes finais. Ao invés de conseguir uma sequência de impacto, eles poderiam instilar no transcorrer da história algo além das insinuações tímidas que alertam, mas não preparam suficientemente o terreno ao ótimo clímax.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
5
Robledo Milani
4
MÉDIA
4.5

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