Crítica

Capitães da Areia, o livro, é talvez a livro de maior valor de Jorge Amado, um dos mais destacados escritores brasileiros de todos os tempos. Só por essa apresentação dá pra se ter uma ideia da importância do material. Agora, curioso mesmo é se dar conta que até hoje nunca houve uma adaptação audiovisual digna de sua relevância. A mais conhecida – e também a mais criticada – é uma feita nos Estados Unidos em 1971 por Hall Bartlett, com elenco internacional e uma ponta de Dorival Caymmi! Desde então houve apenas uma minissérie na televisão brasileira. Neste mesmo tempo, outros romances amadianos, como Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tieta do Agreste, Mar Morto, Tocaia Grande, Tereza Batista e Gabriela, entre outros, foram explorados com muito mais ênfase. E foi preciso que uma descendente do próprio escritor mudasse em quadro: Cecília Amado, neta do homem, que agora entrega na tela grande uma obra digna de sua história.

Apesar desta ser sua estreia como realizadora em longa-metragem, não quer dizer que Cecilia seja uma novata. Assistente de direção em filmes como Batismo de Sangue (2006), Jogo Subterrâneo (2005) e Mauá – O Imperador e o Rei (1999), tem uma experiência bastante ampla tanto no cinema quanto na televisão, o que faz desse projeto o resultado de uma decisão muito bem tomada. Além de respeitar a memória familiar, também dá um passo importante em sua carreira como cineasta, revelando um talento tanto junto aos atores  - em sua maioria descobertos nas ruas de Salvador – quanto em questões técnicas, como montagem, fotografia e trilha sonora. Combinando todos esses elementos com inteligência e parcimônia, ela conseguiu fazer um filme que não só envolve pelo enredo como também desperta interesse pelos mais pequenos detalhes, com um cuidado primoroso e exemplar.

Capitães da Areia fala de um grupo de jovens e crianças abandonados que vivem de pequenos golpes e furtos. Temas próprios dessa faixa etária estão presentes – como a descoberta da sexualidade, família, amizade e confiança – ao mesmo tempo que se levantam outras questões mais propícias à condição em que se encontram, como sobrevivência, fome, saúde e lealdade. O principal problema dessa versão talvez seja justamente essa falta de um roteiro mais amarrado, que deixa várias pontas soltas se contentando em ser mais um painel dessa condição de carência e solidariedade fraterna do que justamente uma história nos padrões mais tradicionais, com início, meio e fim. O começo aqui é apontado quando Dora e seu irmão menor, ambos órfãos, chegam e são abrigados pela turma de Pedro Bala, Professor, Sem Pernas e outros. O desenvolvimento se dá com o dia a dia deles, com aventuras e percalços, até a conclusão trágica, mas não menos esperançosa.

Lançado como marco inicial das comemorações do centenário de Jorge Amado – a ser celebrado em 2012 – esse novo Capitães da Areia é um filme que encanta aos poucos, devagar, e surpreende pela entrega do elenco e pela qualidade do resultado final. Todas as crianças estão excelentes, e as participações especiais de nomes como Murilo Grossi e Zéu Britto enaltecem ainda mais o conjunto. Colorido, emocionante, poderoso e, a despeito de alguns deslizes, acima de tudo verdadeiro. Um filme brasileiro por inteiro, daqueles que dá orgulho de assistir.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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