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Sinopse

Uma rainha má e bela resolve, por inveja e vaidade, mandar matar sua enteada, Branca de Neve, a mais linda de todas. Mas o carrasco que deveria assassiná-la a deixa partir e, durante sua fuga pela floresta, a garota encontra a cabana dos sete anões, que trabalham em uma mina e passam a protegê-la. Algum tempo depois, quando descobre que Branca de Neve continua viva, a Bruxa Má disfarça-se e vai atrás da moça com uma maçã envenenada, que faz com que Branca de Neve caia em um sono profundo.

Crítica

No ano em que Branca de Neve e os Sete Anões chegou às telas, 1937, meio mundo ficou estupefato, sem saber como reagir a esta incrível proeza de Walt Disney. Um bom exemplo disso foi sua relação com o Oscar, o maior prêmio do cinema norte-americano. Na festa seguinte, em março de 1938, o longa recebeu apenas uma indicação, na categoria de Melhor Trilha Sonora (haviam 14 concorrentes, e o vencedor foi 100 Homens e uma Menina, 1937) – enquanto o próprio Disney foi premiado como Melhor Curta-Metragem de Animação, por O Velho Moinho (1937) – a sétima das 22 estatuetas que conquistou, um recorde não superado até hoje! Porém, assim que a poeira se acalmou e a percepção em relação à história da princesa perseguida por uma madrasta malvada e socorrida por sete destemidos anões na floresta começou a se consolidar, o filme foi chamado novamente à festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, em 1939, mas não mais na condição de concorrente, e sim para receber uma estatueta especial – acompanhada de sete miniaturas – em reconhecimento à sua realização. Disney estava certo em lutar pelo primeiro longa-metragem de animação da história. E o mundo começava a concordar com ele.

Nada menos do que seis diretores – com David Hand como supervisor geral, cargo que ocuparia também em Bambi (1942) – foram chamados para cuidar da execução de Branca de Neve e os Sete Anões. Tamanha força-tarefa era necessária – afinal, o que Disney planejava era algo inédito até então no cinema norte-americano. Para tanto, se basearam em um conto clássico dos irmãos Grimm, devidamente adaptado e amenizado para alcançar um público mais amplo e, também, infantil. Quer dizer, é preciso reconhecer que os tempos eram outros, e com a insuportável febre do politicamente correto dos dias de hoje, é de se perguntar quanto da trama filmada ainda seria levada às telas atualmente. Afinal, temos uma bela garota prestes a ser assassinada por um motivo frívolo de pura vaidade, uma protagonista que tem o dom sobrenatural de falar com os animais, sete anões solteirões e barbados que vivem sozinhos – e juntos – afastados de tudo e todos, e um príncipe que só aparece na última hora para salvar a pátria. A pureza e a inocência da proposta original seguem inalteradas, porém um ponto de vista revisionista quase oitenta anos após o seu lançamento poderia encontrar alguns pontos bastante discutíveis no enredo.

Nada, é preciso afirmar, que afete seu encanto inabalável. Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro e permanece, até hoje, como o maior de todos os contos de fadas dos Estúdios Disney, marco referencial da produtora, peça fundamental da identidade e dos valores perseguidos pela companhia em toda a sua existência. E, para completar, Branca de Neve segue como a mais perfeita de uma linhagem de princesas que até hoje encantam crianças e adultos de todas as idades – Elsa e Anna, as irmãs de Frozen: Uma Aventura Congelante (2013), só existem por causa do pioneirismo desta prima octogenária. Afinal, nela e em sua trajetória estão reunidos os principais elementos que consagrariam um gênero próprio de animação: beleza inalcançável, pureza no coração, afeição pela natureza, a busca pelo par ideal e o anseio pelo ‘felizes para sempre’ no final. Tudo, claro, começando com o indefectível ‘era uma vez...’, para tornar o conjunto ainda mais encantador e, talvez, fantasioso.

Os oito escritores que trabalharam no roteiro – entre eles estavam Ted Sears, de Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959), e Otto Englander e Webb Smith, de Pinóquio (1940) e Dumbo (1941) – não perderam tempo, indo direto ao ponto e intercalando com eficiência os momentos narrativos com canções marcantes, que também funcionam para apresentar os personagens (a sequência de introdução dos sete anões é o melhor exemplo). De imediato ficamos a par dessa Rainha Má, que se preocupa apenas com sua beleza, e sua inveja crescente em relação à enteada. Quando o Espelho Mágico afirma que Branca de Neve cresceu a ponto de se tornar ainda mais bela que a madrasta, esta chama o Caçador e lhe passa uma terrível tarefa: levar a garota a um lugar afastado e tirar-lhe a vida, trazendo o coração como prova de sua morte. Acredita, assim, que uma vez que a jovem não mais exista, ela voltará a ser a mais bonita. Uma motivação tão pífia para uma determinação tão trágica é eficiente no sentido de comover a plateia. É impossível, após presenciar tamanha barbaridade, não se condoer com o possível futuro da princesa, ao mesmo tempo em que se torce para a bruxa ter o pior dos destinos.

Tanto é que, ao descobrir que o Caçador não teve coragem de levar o plano adiante e que Branca de Neve não apenas está viva, como foi abrigada por um grupo de anões, a Rainha Má decide tomar uma poção mágica e abdicar da própria beleza – ainda que, acredita, de forma momentânea – para ela mesma acabar com a fonte do seu tormento. Ou seja, aquela que até pouco tempo antes era a mais bela de todas se transforma em uma velha horrenda, de aspecto asqueroso e rugas na ponta do nariz, tudo para eliminar uma garota inocente que nunca lhe fez, nem lhe desejou, mal algum. O horror dos sentimentos que a antagonista nutre deixam de ser apenas internos e se manifestam também no exterior. Os anões, percebendo o perigo que Branca de Neve corre, voltam correndo para ajudá-la, e ainda que cheguem tarde demais, não hesitarão em enfrentar a ameaça. Vilão bom é vilão morto, e aqui Disney dá a primeira lição que por tantas vezes se repetiria em suas produções – não há espaço para arrependimentos. E a bruxa, enfim, terá o que merece. Mais uma peça fundamental para um final feliz que não tardará.

Com um impressionante trabalho de cores – como esquecer do azul e vermelho presentes tanto no vestido da princesa quanto na farda do príncipe? – e de sombras – voltamos, aqui, aos anões, que sempre aparecem antecedidos por aquilo que são de verdade (imagens grandiosas refletidas em montanhas ou paredes), em confronto com seus tamanhos diminutos – Branca de Neve e os Sete Anões é um filme perfeito em cada detalhe, surpreendente em sua estrutura e envolvente enquanto espetáculo há quase um século. Básico em suas emoções e maravilhoso em cada um de seus personagens, apresenta o lado cruel da natureza humana nas suas piores formas, tanto sob disfarce como na revelação de sua verdadeira face, ao mesmo tempo em que aposta na força do amor e na lealdade que somente amizades de toda uma vida podem prover como guia de uma realização plena. Uma obra magistral, insuperável em seu feito e exemplo maior para todas as que a seguiram ontem, hoje e amanhã.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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