Crítica

Poucos são os filmes voltados à temáticas de cunho homossexual preocupados em entregar um obra ao mesmo tempo relevante cinematograficamente e envolvente ao seu público de forma leve e positiva, deixando de lado a questão ativista para se focar em um produto que funcione tanto como entretenimento quanto como exemplo de postura. Jongens (ou Boys, no título internacional, tradução direta do Garotos original) é um destes casos. Temos aqui uma jornada de descobertas e aceitação, mas assim como tantos similares estrelados por personagens heterossexuais, o resultado aqui aproxima-se mais de um idílico “final feliz” e menos do comumente trágico que por tanto tempo foi também caminho de alerta e chamada de atenção. Os tempos, ao menos para alguns, são outros. Felizmente.

Sieger (Gijs Blom, que com apenas 18 anos já dirigiu seu primeiro curta e tem se destacado como um dos novos atores de maior destaque no cinema holandês) é o pilar que sustenta sua frágil família. O irmão mais velho não consegue um emprego fixo e está mais preocupado com sua moto do que com o próprio futuro. E o pai passa a maior parte do tempo em casa, sem saber como lidar com os dois e nem com os seus dias. A situação deles se complicou após a morte da mãe, vítima de câncer, e cada um tenta ao seu modo seguir em frente. Um se rebelando, outro se fragilizando. E o caçula, que a princípio deveria seguir os demais, acaba sendo o porto seguro entre eles.

Principalmente porque o jovem parece ter tudo resolvido em sua vida. Tem um melhor amigo, é popular na escola, as meninas estão sempre ao seu redor e é um dos campeões do time de atletismo. Os treinos constantes e as saídas com os amigos, no entanto, acabam funcionando como outra forma de pressão. É preciso ser o melhor, o mais rápido, o mais desenvolto, o mais atraente. Seu desconforto, no entanto, só é visível para quem o observar com cuidado. Algo que apenas Marc (Ko Zandvliet) faz. A ligação entre os dois vai se dando aos poucos, sem atropelos, nem afobações. É a irmã menor do outro que o abraça sem ressalvas, é uma ida ao rio, um toque de mãos ao acaso, um beijo que surge naturalmente. E quando percebem, um já precisa do outro com tanta intensidade como se nunca estivessem estado separados.

Produzido para a televisão holandesa, Jongens é conduzido com bastante cuidado e delicadeza pela diretora Mischa Kamp, que até então estava acostumada a trabalhar com o público infantil. Ela aproveita cada minuto do pouco tempo que tem à sua disposição – são meros 78 minutos – para construir a relação dos dois protagonistas e possibilitar a concretização deste afeto inesperado que surge entre eles. E não estamos falando de um conto de fadas, com tudo sendo exposto de forma ingênua sob uma visão cor-de-rosa dos fatos. Há dificuldades, receios e barreiras a serem superadas. Mas estas são vencidas por uma certeza do que se quer e de quem se é. Atitudes que só o amadurecimento proporciona. Tanto no campo da ficção como também em viabilizar uma obra tão interessante e apropriada quanto essa.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *