Crítica

Dirigido e fotografado por Alex Lehmann, Blue Jay é ilustrado por uma paleta preto e branco que paralelamente remete à nostalgia e aos sentimentos conflitantes gerados por ela em Jim (Mark Duplass) e Amanda (Sarah Paulson), dois ex-namorados que, 24 anos depois de terem se separado, encontram-se casualmente. Assim, o longa evoca a melancolia resultante do reconhecimento mútuo do potencial amoroso que existia entre eles, e, de modo geral, é o sentimento causado por uma dúvida tão familiar (“o que teria acontecido se...”) que o filme percorre com tamanha delicadeza. E a produção já inicia com planos que percorrem uma estrada, simbolizando os caminhos que decidimos seguir e aqueles que, por consequência, deixamos para trás.

Pois é isso que a linearidade da nossa própria existência acaba gerando como legado para que as nossas versões futuras possam analisar. Apesar de existirem infinitas possibilidades entre um começo e um fim, é preciso conviver com a trilha definida pelas escolhas que fazemos, e com isso entender aquelas curvas drásticas que realmente exploramos ao máximo, ou aqueles desvios que denunciam algo que evitamos por medo, repulsa, tristeza. Jim e Amanda são pessoas cientes de sua trajetória, e agora, tantos anos depois, conseguem coloca-las em perspectiva e avaliar o quão distante estão do ponto de que partiram. Também responsável pelo roteiro, Duplass entende que detalhes como ele lembrar da bebida que os dois costumavam dividir, ou ela reconhecer uma camisa que o outro usava bastante na adolescência, antes tão triviais, são transformados pelo tempo em verdadeiros monumentos históricos de seu relacionamento.

E mais, Paulson e Duplass compreendem, enquanto intérpretes, que a separação se assemelha de maneira estranha ao luto pela morte de um ente querido; se aqui relembram sorrindo de como costumavam descrever a irmã de Amanda, ali um cheiro pode despertar as mais vívidas lembranças e os enviar de volta à tristeza por constatar que os bons sentimentos despertados por elas ficaram no passado. Assim, é precioso perceber que os dois atores conseguem também investir em uma interação estudada entre os protagonistas. Existe, claro, uma distância palpável entre eles: durante uma farsa que armam fingindo ser um casal feliz, se atrapalham para dividir um beijo, que não é dado nem na bochecha e nem na boca; assim como ao escutarem uma velha gravação, é notório como ambos ficam petrificados por não se reconhecerem no áudio e, ao mesmo tempo, não terem coragem o suficiente para desligar a reprodução do mesmo, pois isso admitiria que estão desconfortáveis.

Essas lembranças são como apontar que ambos sabem um segredo horrível um do outro, sendo que a informação secreta que guardam é muito simples: Jim e Amanda lembram das versões mais jovens de si mesmos, personalidades que há muito deixaram para trás e que, hoje, não definem mais as suas realidades. Essa intimidade que jamais abandona duas pessoas que, namorados ou não, se conheceram profundamente em uma outra época, também é traduzida por Paulson e Duplass de forma delicada – ele reconhece as nuances do cafuné dela, assim como ela reconhece os espaços de sua casa, por exemplo.

Com seu olhar cheio de dor e a barba que o ajuda a esconder as feições, Jim tem dificuldade em aceitar que Amanda seguiu um caminho diverso ao dele; enquanto ela, escondendo as verdadeiras feições com sorrisos que buscam a descontração de situações tensas, tem dificuldade em encontrar a felicidade no caminho diverso que seguiu, apesar desse ser, na teoria, cheio de coisas boas. A felicidade do presente é sempre questionada quando colocada contra aquela que um passado diferente poderia ter gerado. Nos falta, às vezes, a maturidade para apreciar a beleza da imperfeição das estradas tortas que construímos, e é essa lição que os dois protagonistas de Blue Jay aprendem, cada um a sua própria maneira.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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