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Sinopse

Riggan é um ator em decadência. Ele já foi muito famoso por interpretar um icônico super-herói. Mas agora faz de tudo para montar uma peça na Broadway. Às vésperas da estreia, vai lutar com seu ego e tentar recuperar sua família, sua carreira e ele mesmo.

Crítica

Depois de ter abandonado as multitramas que pontuaram seus três primeiros filmes em Biutiful (2010), o cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu precisava de um desafio novo. Não era suficiente ficar centrado em um personagem apenas como no longa estrelado por Javier Bardem. Era necessário mais. Quem sabe uma comédia? Uma escolha estranha para um diretor conhecido pelas temáticas pesadas e profundas de seus trabalhos. Se isso é um tanto surpreendente, o sentimento logo se dissipa ao assistirmos a Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância). Descobrimos que se trata, sim, de uma comédia, mas com uma pegada existencialista e reflexiva que se sobressai dos eventuais risos que a trama possa trazer.  Ou seja, diferente do que poderíamos esperar de Iñárritu, mas não tanto. Os personagens seguem como o forte do diretor e, como de praxe, as performances são arrebatadoras. Sem falar da forma como a história é contada. Enfim, Birdman é tão imperdível como poderíamos imaginar.

Na trama, assinada pelo diretor ao lado de Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo, conhecemos o astro Riggan Thomson (Michael Keaton) em posição de lótus, de cuecas, flutuando (!) em seu camarim. Esta será apenas uma das inventivas e inusitadas ações que o ator fará no decorrer da história, nesta mistura de fantasia e realidade que o roteiro propõe. Riggan está preparando seu retorno ao estrelato em uma peça da Broadway.

Antes um famoso ator em Hollywood, estrela da trilogia Birdman, super-herói voador combatente do crime, agora ele é apenas uma celebridade do passado. Temendo ficar relegado a reprises, perdendo completamente sua relevância, o ator decide escrever, dirigir e estrelar um espetáculo. Acompanhamos os últimos dias de ensaio, com os famigerados previews para plateias, e o dia da estreia. Neste interim, Riggan perde um de seus atores coadjuvantes e, através da atriz Lesley (Naomi Watts), contrata o temperamental Mike Shiner (Edward Norton), um ator do método; a presença de sua filha Sam (Emma Stone), recém-saída da reabilitação, e a possibilidade de ser pai de novo, de outra atriz do espetáculo, Laura (Andrea Riseborough), colocam Riggan em um grande estresse. Não bastasse apenas ele ter de provar a todos que ainda pode estrelar uma produção de sucesso, sua vida pessoal está indo de mal a pior.

Existem papeis que caem como luva para atores. Mas poucos têm tanto em comum, conseguindo puxar de suas próprias experiências tamanho material para compor o personagem quanto Michael Keaton interpretando Riggan Thomas. Depois de ter estourado com boas comédias na década de 1980, Keaton foi o astro de Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992), filmes imprescindíveis na seara das produções de super-heróis. Muito criticado à época por não ser uma escolha óbvia para o homem-morcego, o ator acabou abanando o papel antes do terceiro longa (e provou estar correto em sua escolha, bastando ver a bagunça dos dois Batman seguintes). Infelizmente para Keaton, os bons papéis começaram a rarear. Convidado cada vez menos para protagonizar longas, passou a aceitar pequenos personagens e chegou até a dirigir seus próprios trabalhos. Eis que, em 2014, ele voltou aos holofotes em pretensos blockbusters, como Robocop e Need for Speed, como um prenúncio do trabalho que, certamente, o fará ser lembrado e, possivelmente, muito premiado: Birdman. Keaton conta em entrevistas que achou que Iñárritu estava de brincadeira quando este lhe deu o roteiro do longa. Mas aceitou, principalmente por saber que é cada vez mais difícil chegar em suas mãos personagens de destaque como este.

A escolha de Iñárritu foi perfeita. Michael Keaton tinha em mente a grande oportunidade que recebeu e não desperdiça em momento algum esta chance. Utilizando de sua conhecida verborragia e caprichando na ironia, Keaton resolve brincar com sua persona, construindo um homem crível num mundo fantástico. Ou seria o contrário? Metalinguagem é a chave da questão em Birdman, portanto não se espante caso perceba que a peça dentro do filme tem muito mais do mundo da imaginação do que poderíamos crer em uma primeira olhada. Riggan vive em um momento angustiante, sem dinheiro para arcar com sua peça, tendo de provar a todos seu valor. Keaton entende isso e nos convence a respeito. Existe ali um homem deprimido, um sujeito que pouco a pouco vai perdendo o senso da realidade. As cenas em que Riggan escuta Birdman falando com ele, como uma espécie de consciência, são grandes momentos do filme.

Se Keaton é destaque, o mesmo pode ser dito do elenco coadjuvante. Edward Norton ganha um papel da altura de seu talento. Mike é um sujeito difícil, que não se importa com a opinião dos outros, e tenta roubar o show toda a vez que aparece. Curiosamente, Norton quase consegue fazer em Birdman o que seu personagem tenta fazer na peça. Sua dobradinha com Emma Stone (igualmente ótima) e seus embates com Keaton são outros memoráveis trechos da produção.

Não bastasse tudo isso, Iñárritu resolveu inovar na forma de contar a história. Se em seus filmes anteriores, boa parte deles eram trabalhados na ilha de edição, verdadeiros quebra-cabeças, em Birdman existe um senso de continuidade que só Alfred Hitchcock havia feito antes em Festim Diabólico (1948). O diretor mexicano nos apresenta este conto fantástico em apenas um take ininterrupto. A câmera nunca para. Sempre está indo atrás dos atores, de algum ponto de ação interessante, para onde a história está indo. Logicamente é um truque de edição, com efeitos visuais de primeira para esconder os cortes. Mas funciona muito bem e nos dá a real velocidade daqueles dias tão conturbados, um trabalho inestimável de Emmanuel Lubezki, o diretor de fotografia. E, claro, uma impecável performance do diretor, que conseguiu não só comandar seus atores pela montanha-russa de emoções que é a história, mas também os conduzindo por marcas e deixas que fizeram possível uma empreitada dessas dar certo.

Com trilha sonora inventiva do baterista Antonio Sanchez, e cenas tão malucas quanto poéticas, Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) torna-se o trabalho mais completo e interessante já lançado por Alejandro González Iñárritu. Isso não é pouco para um diretor que já assinou imperdíveis longas como Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Biutiful (2010). Para alguns, o pecado desta nova produção pode ser o fato de não entregar os risos que uma comédia convencional proporcionaria. Mas como não existe nada de convencional em Birdman, este pecadilho passa completamente batido. Filmaço.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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