Crítica

Ao pensarmos na antiga brincadeira do “bem me quer, mal me quer”, é inevitável imaginar algo pueril, bobo, até mesmo inocente. Uma menina bonita despetalando uma flor perfumada lentamente, se perguntando se sua sorte amorosa poderia ser mesmo resolvida de forma tão simples e descomplicada. O que não percebemos, diante essa cena, é que para cada “bem me quer” há um “mal me quer” correspondente, ou seja, para cada “bom” há um “mal” em oposição, prestes a entrar em cena. Assim nos sonhos, ou mesmo na vida. E, pior ainda, quando os dois se misturam, ilusão e realidade. Uma visão um tanto distorcida que o curioso Bem Me Quer, Mal Me Quer propõe em sua trama, mostrando que nem tudo é exatamente como parece à primeira vista.

Esta surpreendente produção francesa é estrelada pelos astros Audrey Tautou, ela em seu primeiro papel de destaque após ser revelada ao mundo como a carismática protagonista de O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain (2001), e Samuel Le Bihan, que na época estava em alta por ter lançado no mesmo ano a ação histórica O Pacto dos Lobos (2001). Os dois, aliás, já haviam trabalhado juntos em Instituto de Beleza Vênus (1999), e aqui enfim aparecem como par romântico. Se por um lado parece ser apenas mais uma comédia romântica tola, essa imagem não poderia estar mais longe da verdade. O que temos, sim, é uma obra intrigante e original, que procura mostrar todos os lados de uma paixão e como as concepções pré-estabelecidas podem afetar as vidas dos os envolvidos, quer eles queiram ou não.

O melhor, no entanto, seria recomendar ao leitor que parasse por aqui a leitura e fosse de imediato conferir por si próprio o que o texto se refere. Este é o tipo de longa que quando menos se revelar a respeito de sua história, melhor. Sem qualquer informação prévia, cada uma das surpresas previstas no roteiro serão realmente atingidas de acordo com os seus intentos, e o desenrolar da trama conseguirá, com efeito, envolver o espectador com seus os acontecimentos. Uma surpresa que pega a atenção dos presentes sem aviso prévio, forçando um reajuste de percepção em relação ao próprio enredo, resultado em um conjunto envolvente e eficiente.

Angelique (Tautou, mostrando, enfim, que pode ser muito mais do que um mero rostinho bonito) é uma estudante de artes apaixonada por um médico (Le Bihan) casado. Ela acredita que ele irá, em breve, largar a esposa grávida para que possam, enfim, ficar juntos. E, para isso, está disposta a tudo. Logo começamos a perceber que sua razão está se perdendo lentamente, tudo em nome desse amor insano, até um inevitável final trágico. Esse, porém, é apenas um dos lados da história, pois quando acreditamos estar na sua conclusão, sem que haja algo mais a ser dito, o filme retrocede até o seu início, para dessa vez ser contado segundo o ponto de vista masculino. E é neste ponto em que Bem Me Quer, Mal Me Quer conquista de vez a audiência, levando-a a uma jornada sobre a loucura e o amor numa crônica tão irresistível quanto assustadora. E o que resta, após o seu término, é a certeza de estarmos diante de uma uma bela obra, com certeza pequena e discreta, mas acima de tudo arrebatadora.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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