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Sinopse

Prestes a oficializar sua união de mais de 10 anos com Antoine, Jérémy acorda ao lado de uma mulher sueca desconhecida depois de uma noite de excessos. Isso fará com que ele questione seu futuro.

Crítica

Enquanto que para muitos a declaração que dá título no Brasil a essa comédia francesa pode ser vista como sinal de comemoração e felicidade, para o jovem vivido por Pio Marmaï ela provoca espanto e confusão. Afinal, estamos falando de um rapaz que até então era um homossexual convicto, que se assumiu ainda adolescente para família e amigos e que está prestes a se casar com o namorado de mais de uma década – com quem, aliás, mora junto há anos. Beijei uma Garota, portanto, constrói sua ação – e busca seu humor – justamente por essa conjunção inesperada: a história de um gay que decide “voltar para o armário”, ou seja, a descoberta da heterossexualidade.

Ainda que seja tratada de forma bastante leve pelo roteiro, essa questão está longe de ser simples – ainda mais em tempos tão conturbados como os nossos, seja na França ou no Brasil. Milhares foram às ruas de Paris para protestar contra a aprovação da lei do casamento gay, gerando uma comoção popular similar a empreendida pelos mais conservadores em nosso país. Assim, estes não parecem cenários em que uma discussão como essa possa ser abordada de forma leviana. Os diretores Maxime Govare e Noémie Saglio, ambos estreantes e também autores do roteiro, parecem conscientes disso. E se vez que outra acabam resvalando em um ou outro estereótipo, resta ao menos a constatação de que assim o fazem com as melhores das intenções.

Jérémy (Marmaï, uma das revelações francesas mais em alta no momento) acorda num susto. Quando percebe, está na cama com uma mulher – algo inédito em sua vida. Sem mais, decide sair correndo e voltar para casa, dando uma desculpa qualquer para o namorado, que nem havia percebido sua ausência. E se tudo parece calmo em casa, no interior do protagonista a situação é a mais caótica possível. Afinal, o que o teria levado a transar com uma garota? Este desejo, desconhecido até então, começa a martelar seu pensamento. Seria uma crise na relação com o parceiro? Um grito de socorro contra a acomodação de um relacionamento estável? Ou estaria ele, de fato, ampliando seus horizontes e se descobrindo, mais do que gay ou straight, um ser sexual?

É de se lamentar que Beijei uma Garota não decida se aprofundar nessa questão – a ausência de definições e a falta de necessidade para tanto – e prefira incorrer em soluções mais fáceis. Com isso, quem sai ganhando são os coadjuvantes. Nenhum é melhor do que o sócio e melhor amigo, Charles (Franck Gastambide, de As Moças, 2014), um tipo metido a garanhão que está sempre envolvido em confusões com as mulheres. Há ainda os pais de Jérémy, um casal que torce por sua homossexualidade como sinal de avanço e modernidade – a aceitação deles é tão exagerada que chega a soar caricata, principalmente em paralelo ao descaso com que tratam a filha grávida – ou a funcionária neurótica, que responde por um ou dois bons momentos, mas logo se descaracteriza.

Restam, assim, os dois interesses românticos de Jérémie. Adna (Adrianna Gradziel) é uma loira escultural, livre e desimpedida, porém tão superficial que somente nos minutos finais da trama é que ganha alguma personalidade. Por outro lado há Antoine (Lannick Gautry, de A Gaiola Dourada, 2013), um tipo melhor elaborado, com o qual nos identificados e nos importamos. Pio Marmaï, no entanto, está visivelmente mais confortável em sua porção heterossexual – o filme privilegia esse olhar, afinal não há um único beijo gay durante todo a história, por exemplo – e nessa indecisão entre um e outro o final não só soa previsível como decepcionante. Beijei uma Garota levanta muitas questões interessantes. Faltou apenas coragem para desenvolvê-las da maneira mais apropriada, elevando o discurso para além do passatempo genérico.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
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Alysson Oliveira
1
MÉDIA
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