Crítica

Quem nunca foi incapaz de conter o riso diante de um desequilíbrio, um tombo, uma careta, seja própria ou alheia? O que no cotidiano parece uma reação natural, para alguns espectadores e críticos não soa como bom gosto quando apresentado no cinema. O humor mais físico, que provoca gargalhadas pelo erro, pelo destempero, é considerado menor diante de piadas envolvendo ciência e arte ou jogos de palavras. Como se rir com o cérebro fosse mais elegante. Não é o que pensa Jerry Lewis em Bancando a ama-seca.

Depois de uma temporada atuando ao lado de Dean Martin em filmes produzidos pela Paramount, Lewis deu início à carreira solo e pôde colocar em prática o humor nonsense que tanto lhe agradava. Sob a direção de Frank Tashlin (um dos responsáveis pela série Looney Tunes) Lewis interpreta Clayton, um técnico em eletrônica que nutre uma paixão por Carla, uma vizinha que tornou-se estrela de cinema. Ele, no entanto, tem sua vida alterada quando sua musa lhe entrega suas trigêmeas para que tome conta enquanto ela termina as filmagens de um épico. E aí começa uma sequência de situações engraçadas envolvendo mamadeiras, ursinhos de pelúcia e fraldas.

A trama de Bancando a ama-seca é livremente inspirada em Papai por acaso (1944), filme do diretor Preston Sturges. Para tornar o roteiro mais adequado às técnicas de Lewis, os diálogos afiados foram trocados por gags e pequenos esquetes que nada acrescentam à história, mas mostram a capacidade de improviso e os trejeitos únicos do ator, que também ataca de cantor, interpretando Rock-a-bye baby no melhor estilo Elvis Presley desengonçado. Os cenários, incluindo a casa do protagonista, lembram os desenhos animado dos anos 50 (Tashlin não largou o osso da animação), estilizados e em tons de rosa, verde e azul. Bancando a ama-seca não faz propaganda enganosa. A cena em que apresenta Clayton para o espectador dura quase oito minutos em função de uma mangueira fora de controle, que molha e destrói casas. Jerry Lewis deita e rola, literalmente, pois atingiu a sua meta: o público sabe que está ali para se divertir. E o auge dessa diversão se dá quando ele, tentando enganar o avô das trigêmeas, interpreta vários papéis dentro de uma televisão quebrada.

Por ter sido realizado em 1958, o filme tem tendências bem machistas, mesmo que o protagonista assuma a responsabilidade de cuidar de três bebês sozinho. Compreensível, já que Hollywood pode até bancar a moderninha, mas no fundo alimenta sonhos de princesa, com direito a casamento e casa com jardim florido. Fora estes detalhes, Bancando a ama-seca ainda diverte, em especial a geração que cresceu com os primeiros longas do grupo Os Trapalhões, claramente influenciados pelo estilo de Lewis, que seria refinado em trabalhos sensacionais como O Mensageiro Trapalhão (1960) e O Terror das Mulheres (1961), no qual ele também assina a direção. Prestes a completar 91 anos, Jerry Lewis lembra pouco o alegre e apaixonado Clayton, que parecia ter fé na vida e na liberdade, já que o ator apoiou publicamente a campanha do agora eleito presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Não é nada engraçado. Bem diferente do visto aqui.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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