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Sinopse

O Axé carrega boa parte do sincretismo cultural baiano. Um dos movimentos musicais brasileiros mais disseminados mundo afora, ele é revisitado em entrevistas e imagens de arquivo neste documentário.

Crítica

É bastante provável sair da sessão de Axé: Canto do Povo de Um Lugar cantarolando algum, ou vários, dos inúmeros hits do ritmo batizado, a priori pejorativamente, de axé-music. Afinal de contas, especialmente dos anos 80 até metade dos 2000, a Bahia foi um respeitável celeiro de artistas populares, cujas trajetórias, não raro, começaram nos trios elétricos, se espraiando posteriormente por outros lugares, ganhando o mundo. Contudo, se o filme do diretor Chico Kertész possui essa energia musical, isso não se deve a predicados próprios, mas, exatamente, aos consecutivos sucessos oriundos de Salvador. Em princípio, tem-se a sensação de que a intenção do documentário é fazer uma espécie de inventário arqueológico do axé, buscando raízes e deflagrando transformações ao longo do tempo, em virtude de influências que foram se impondo a partir da adesão do público às novidades trazidas por uns e outros.

É clara a vontade de evitar que o espectador se perca no emaranhado de depoimentos que se sucedem numa velocidade nem sempre produtiva à assimilação do que se diz. Isso fica evidente na reiteração do nome e da ocupação dos entrevistados, recurso que, na verdade, visa amenizar a possível confusão decorrente de uma equação que divide o relativamente pouco tempo disponível pela grande quantidade de vieses, pontos de vista e questões surgidas em cada fala. Após construir um painel mais ou menos convincente que remonta os anos iniciais do axé, em meio à evolução do conceito, inclusive técnico, de trio elétrico, Kertész permite ao filme alternar muitas possibilidades temáticas, sem, todavia, conceder espaço suficiente para qualquer delas se impor como via central. Da velha guarda vemos Luiz Caldas e sua importância para a consolidação do filão, entre outras figuras bastante conhecidas.

Na medida em que transcorre, Axé: Canto do Povo de Um Lugar vai sofrendo com essa ausência de um porto seguro onde atracar de vez em quando. O roteiro realmente não ajuda, se denunciando como o verdadeiro calcanhar de Aquiles do longa. As ocasionais subversões da cronologia são desprovidas de função expressiva, soando mais como compensações. Um elemento recorrente, que corta a estrutura narrativa, expondo, assim, potencialidades é o papel do programa do Chacrinha à nacionalização dos então êxitos regionais da axé-music. Kertész transita trôpego pelos anos de formação, dando bem mais espaço e atenção às pessoas que fizeram do ritmo um triunfo também comercial, relegando à categoria de mera curiosidade tudo o que diz respeito à musicalidade decorrente desse encorpado caldo cultural. Por exemplo, sente-se falta de uma investigação aprofundada das raízes negras da sonoridade.

Quanto mais perto dos dias atuais, mais a narrativa assume sua vocação expositiva, por subtrair do espectador as inúmeras problematizações somente mencionadas na produção. O filme de Kertész possui vibração, conversas com os principais integrantes dessa onda de efeitos ainda amplamente sentidos, mas carece, sobremaneira, de uma coesão interna que dê conta, primeiro, de aglutinar, e, depois, de relacionar os diversos componentes desta harmonia, assim, substanciando-a. Fosse uma melodia, Axé: Canto do Povo de Um Lugar seria a consequência de recursivas falhas instrumentais. O saldo é um mau aproveitamento da rica polifonia disponível. Da precariedade dos trios elétricos originais à consagração de Ivete Sangalo como grande artista pop do Brasil, passando por É o Tchan e similares, discute-se bastante, mas falta uma condução capaz de criar melodias mais equilibradas e funcionais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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