Crítica

Difícil saber quem é o mais idiota em Ave, César!, longa assinado pelos irmãos Joel e Ethan Coen. É fácil identificar, no entanto, qual é o único ser pensante de toda a trama: Eddie Mannix (Josh Brolin), executivo de um dos principais estúdios de Hollywood nos anos 1950. É ele, afinal, que precisa lidar diariamente com ataques de estrelas em ascensão, disputa de egos de astros em busca de mais espaço na mídia, discussões criativas com seus diretores, uma gravidez inesperada, um passado problemático e fofocas que surgem a todo instante, sempre no risco de irem parar nas páginas das revistas mais lidas. E isso tudo ao mesmo tempo em que é cortejado com uma atraente proposta para um novo trabalho, muito distante deste ramo de vaidades e ilusões: a aeronáutica! Enquanto decide o que fazer, o público é convidado a conhecer esse festival de futilidades e ironias, sempre com o olhar afinado característico dos realizadores.

02-ave-cesar-papo-de-cinema

Como já é de praxe na filmografia dos Coen, para cada trabalho “sério” que realizam – como o oscarizado Ponte dos Espiões (2015), de Steven Spielberg, cujo roteiro é dos dois – logo em seguida decidem investir em algo mais leve e divertido, como se precisassem de um tempo para brincarem um pouco com a própria profissão. Após uma trilogia premiada internacionalmente – Um Homem Sério (indicado ao Oscar de Melhor Filme, 2009), Bravura Indômita (indicado ao Oscar de Melhor Filme, 2010) e Inside Llewyn Davis (Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, 2013), em Ave, César! eles retornam a um estilo mais debochado. Se dentro deste perfil são responsáveis por títulos absolutamente perfeitos, como O Grande Lebowski (1998) e Queime Depois de Ler (2008), também pareceram se divertir mais do que o público em O Amor Custa Caro (2003) e Matadores de Velhinha (2004). Este longa mais recente, no entanto, se situa num meio termo entre estes dois extremos, infelizmente tendendo um pouco mais para a segunda linha de humor: um muito particular, com alguns momentos iluminados, porém raros dentro de um conjunto maior.

Baird Whitlock (George Clooney) é o maior astro dos estúdios Capitol e estrela da nova produção, o épico religioso Ave, César!. Envolto em bebedeiras, mulheres e uma história nebulosa do início de sua carreira, se vê em perigo quando é sequestrado por dois figurantes, membros de uma organização comunista formada quase que inteiramente por roteiristas, que reivindicam melhores condições de trabalho e um retorno mais justo pelo que produzem. Hobie Doyle (Alden Ehrenreich), por outro lado, é o jovem ator que começa a despontar para a fama, porém atrelado a um gênero único: o faroeste. Quando é convocado para estrelar um drama do renomado Laurence Laurentz (Ralph Fiennes), quase o leva à loucura por ser praticamente incapaz de desempenhar suas falas. Neste vai e vem dos bastidores, há ainda a pin up DeeAnna Moran (Scarlett Johansson), uma garota-problema que brilha nos musicais aquáticos, e o galã Burt Gurney (Channing Tatum), rei do sapateado. Todos intocáveis diante o público, e donos de diversos conflitos longe dos holofotes. Como lidar com cada um deles e ainda entregar o que os espectadores querem é a tarefa de Eddie precisa cumprir.

As alusões são evidentes. Temos John Wayne, Gene Kelly, Esther Williams, Marilyn Monroe, Hedda Hooper e Cary Grant por todos os lados. Os Coen, no entanto, são inteligentes demais para expor tais nomes assim, e por isso criam esse universo ficcional, ao qual não se veem obrigados a dar nomes aos bois – ainda que estes sejam bastante evidentes a qualquer um mais atento. No entanto, para que o humor funcione, ele não só precisa ser proferido no timing certo, mas também demanda encontrar um receptor à altura, preparado para sua compreensão. E ao falar de uma realidade de mais de meio século atrás, tais interlocutores talvez sejam escassos atualmente. É o que se percebe em Ave, César!, um filme divertido, porém de alcance limitado. É um deleite ver Johansson surgindo no meio de chafarizes e Tatum dançando melhor do que em Magic Mike (2012), porém são apenas tipos, sem profundidade ou função específica. Melhor se saem Tilda Swinton (sempre excelente, ainda mais interpretando duas irmãs gêmeas absolutamente iguais, mas indiscutivelmente diferentes) e Frances McDormand, essa em uma participação rápida, porém marcante.

01-ave-cesar-papo-de-cinema

Mas Ave, César!, mais do que uma grande oportunidade para Josh Brolin (em seu terceiro trabalho com os diretores, o primeiro como protagonista), é, na verdade, um curioso e atraente parque de diversões montado por Joel e Ethan Coen para fazerem suas estripulias de sempre. Os irmãos, assim como Woody Allen, por exemplo, invariavelmente entregam obras muito acima da média dos seus demais colegas, e mesmo quando derrapam se saem melhor que muitos. Neste caso específico, portanto, é importante ter isso em mente e entrar no espírito da brincadeira, em que se atira para muitos lados, porém poucos alvos são acertados de fato.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *