Crítica

Ela tem no currículo prêmios nos festivais de Veneza, Locarno e Cannes, já trabalhou sob o comando de diretores consagrados, como François Ozon, Patrice Chéreau, Ridley Scott e Steven Spielberg e ainda por cima é irmã da Primeira Dama francesa, Carla Bruni. Estes são alguns dos créditos de Valeria Bruni Tedeschi, atriz franco-italiana que se aventura pela segunda vez por trás das câmeras em Atrizes, um longa tão complexo quanto estimulante. E o mais intrigante é que, além de dirigir, ela também escreveu, editou e protagonizou esta história sobre os bastidores do estrelato e o mundo do teatro. E o melhor de tudo: se saiu muito bem em todas estas funções.

Produção francesa, Atrizes tem como um dos seus principais destaques um elenco bastante diversificado, que reuniu alguns dos nomes mais interessantes do atual cinema europeu. Além de Tedeschi (cujo trabalho de maior destaque no Brasil é o intenso Amor em Cinco Tempos, pelo qual ela ganhou o segundo Leão de Ouro em Veneza), outros nomes relevantes são o da ótima Noémie Lvovsky (Reis e Rainha), o do sempre contagiante Louis Garrel (A Bela Junie), do fantástico Mathieu Amalric (O Escafandro e a Borboleta) e até a sumida Valeria Golino (italiana que despontou em Hollywood, em Rain Man, como namorada de Tom Cruise, mas que estava sem dar notícias desde o belo e perturbador Respiro, feito em sua terra natal em 2002). Essa turma faz parte de um grupo de artistas envolvidos num espetáculo teatral, cuja principal estrela é Valeria, Noémie faz a antagonista, Garrel é o galã apaixonado, Mathieu encarna o diretor temperamental e Golino oferece um ar etéreo à personificação da personagem central da peça. Arquétipos, é verdade, mas que em conjunto funcionam desenhando um curioso painel do universo artístico.

O mais interessante em Atrizes é acompanhar a evolução natural das angústias, anseios e frustrações da protagonista. Tedeschi dá vida a uma mulher que atravessa um momento crucial de sua existência: quarentona, começa a fazer uma análise da própria trajetória e tudo o que vê são decepções. Apesar de ser reconhecida pelo trabalho que exerce como uma das melhores, está sozinha, solteira, sem filhos e sem maiores motivações profissionais. E no turbilhão de emoções que ela dá início estará incluso o atual projeto em desenvolvimento, afetando a todos ao seu redor. Uma confusão que irá influenciar destinos, corações e vontades. Mas que também os levará a novos e necessários caminhos. E talvez seja por isso mesmo que a cena final do filme seja tão marcante. Um mergulho desesperado que contém vários significados, pondo fim a tudo que é pregresso e abrindo espaço para um mundo completamente novo.

Atrizes ganhou o Prêmio Especial do Júri na mostra Un Certain Regard, durante o Festival de Cannes de 2007, além de ter sido indicado ao César (o Oscar francês) na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante (Lvovsky). E apesar do reconhecimento crítico e de abordar uma temática a princípio bastante popular, é uma história que não se contenta apenas em ser feminina ou artística, ampliando seu discurso por contextos mais filosóficos e imaginativos. Assim, da mesma forma que surpreende os dedicados, afasta aqueles não tão profundos. Mas, mesmo neste caso, sua importância permanece, pois o que será da arte senão provocar dúvidas e levantar questionamentos? Com isso em mente, testemunhamos aqui o nascimento de uma artista completa, que realmente possui algo a ser dito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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