Crítica

Uma das maiores militantes francesas, Thérèse Clerc batalhou a favor da legalização do aborto, de causas gays e lésbicas e, fundamentalmente, pela igualdade das mulheres frente a uma sociedade machista e de regalias patriarcais. Esta produção de curta duração é uma bela introdução a respeito desta personalidade incrível e pulsante, embora seus parcos 55 minutos de projeção possam ser exageradamente concisos se comparados ao alcance e profundidade dos trabalhos e vida da retratada. Complexa e em constante evolução do seu pensamento, aqui em As Vidas de Thérèse (2016), Clerc quebra paradigmas como nunca ao fazer uma retrospectiva de sua vida após descobrir que está com uma doença incurável. Somos levados por ela a quebrar mais um tabu: a morte.

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O cineasta Sébastien Lifshitz retrata a ativista através de depoimentos da própria e de familiares. Retoma fotografia e faz um belíssimo ensaio sobre a força da memória. São os últimos momentos de Thérèse e, por isso, nada melhor para um encerramento digno à uma vida inspiradora que buscar a memória afetiva da própria e de seus filhos. O ganho do documentário é não idealizar sua personagem. Thérèse é contraditória, por vezes até mesmo radical. Sua maneira de enxergar os avanços de sua causa e de se tornar uma feminista plena avançam através dos anos. Ela acaba abdicando do casamento por considerá-lo quase como uma prisão, uma obrigação imposta pela sociedade e que a coloca abaixo de seu marido. A separação vem como uma surpresa para os familiares, mas sua revelação, em determinado momento, que se tornaria lésbica não foi o mesmo baque. E, longe de ser tachada de previsível, Thérèse encarou a vida como encara a morte: de frente e colocando ambas em crise.

Neste aspecto, é interessante notar o paralelo que o documentário de Lifshitz faz com outro trabalho que integra o Festival do Rio deste ano de 2016, o também documentário Bernadette Lafont - E Deus Criou a Mulher Livre (2016). Em ambos os filmes são retratadas grandes personalidades que lutaram com afinco pela quebra dos ideais retrógrados da sociedade em busca de uma liberdade plena para as mulheres. As produções retratam a chegada da morte e a importância da memória e das recordações quando aqueles que amamos nos deixam. E mais que isso, sua contribuição para uma construção ainda maior dentro da nossa sociedade.

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Lifshitz, que já havia dirigido Clerc em um depoimento para Os Invisíveis (2012), sabe muitíssimo bem que este seu novo documentário em momento algum é seu ou que sua voz como cineasta é imperativa. Sua necessidade é se anular e se levar inteiramente por sua protagonista. Sua câmera é um mero aparato de registro da afetividade através dos anos, construindo uma história quase anti-poética. As Vidas de Thérèse, como o título nos introduz, mostra uma mulher plural. Mas que deixa o mundo de maneira singular com uma história que, feita por poucas, atingiu de maneira muitíssimo positiva muitas e muitos.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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