Crítica

A comédia e a melancolia sempre andaram lado a lado no cinema de Charles Chaplin, Buster Keaton e também na obra de Jacques Tatischeff. A equação que delineia este arriscado e pouco usual subgênero ganha contornos ainda mais tocantes em As Aventuras de Mr. Hulot no Tráfego Louco, longa-metragem que marca a despedida do icônico personagem e antecipa o fim de um breve, porém encantador legado cinematográfico deixado pelo gênio cômico Tati.

Desta vez, Monsieur Hulot deixa Paris rumo a uma exposição de automóveis em Amsterdã, onde ele é esperado para apresentar um ultramoderno motorhome equipado com acessórios surpreendentes, como uma churrasqueira interna e um chuveiro ajustável. Acompanhado da relações públicas Maria (Maria Kimberly), Hulot não demora para descobrir os desafios que a viagem lhes reserva – pneus furados, falta de combustível, policiais excêntricos e o tráfego louco prometido pelo título nacional da produção, entre outros imprevistos.

O derradeiro filme de Tati como Hulot segue a estrutura familiar de seus percussores, que antecipam o destino do personagem e evidenciam que se trata apenas de uma questão de tempo para que ele, assim como o espectador, conquiste seu objetivo final. Mas o que move o protagonista é o que realmente interessa, e desta vez suas desventuras seguem o fluxo veloz dos automóveis que preenchem a tela, iluminados não só por suas próprias suas luzes arrítmicas, mas essencialmente pelo magnetismo de Tati/Hulot.

Enquanto alguns dos melhores segmentos de As Aventuras de Mr. Hulot no Tráfego Louco contemplam o personagem-título, a câmera de Tati não o segue muito de perto. Ele geralmente aparece como parte de um caos organizado, indo de um lado para outro enquanto o enquadramento privilegia algum outro evento importante. Nestas sequências, a fluência e movimento do filme carecem da complexidade apresentada em Playtime: Tempo de Diversão (1967), o que se deve principalmente pela diferença de custos de produção dos dois longas. Mesmo assim, por vezes é difícil acompanhar tudo o que a mise-en-scène orquestrada por Tati oferece – algo que propicia novas descobertas a cada revisita ao filme.

Como em seus trabalhos prévios com Hulot, o cineasta apresenta vários sons e ruídos singulares que parecem até mais importantes do que um ou outro diálogo. Em algumas das melhores sequências não há fala alguma além de palavras aleatórias: as expressões faciais, os corpos e objetos de cena dão conta de todo o discurso necessário. As Aventuras de Mr. Hulot no Tráfego Louco é recheado do humor de Tati, mas o filme também conta com observações pontuais sobre consumismo, o poder da publicidade e a (falta de) habilidade na comunicação interpessoal. Uma ou outra crítica acaba invariavelmente datada, mas em grande maioria elas permanecem relevantes e certeiras.

A escolha por uma narrativa que flerta com o road movie não poderia ser mais pontual para o último filme de Tati com Hulot. O diretor, roteirista e ator, imbuído daquela comicidade melancólica que lhe é habitual, indica a estrada que o protagonista tem para percorrer, mas deixa o espectador segui-lo apenas por parte do caminho, que se encerra ao subir dos créditos finais.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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