Crítica

Previsto para ser lançado nos cinemas no segundo semestre de 2009, somente três anos depois é que Argus Montenegro e a Instabilidade do Tempo Forte chegou, finalmente, aos cinemas. E num lançamento discreto, em apenas algumas salas selecionadas de Porto Alegre. Daqui pra frente espera-se que outras praças ganhem a mesma oportunidade de conferir na tela grande a trajetória deste que foi um dos maiores bateristas da música nacional, o gaúcho Argus Montenegro. Porém, como o retorno do público aqui mesmo em sua terra natal tem sido bastante fraco, é difícil imaginar um cenário melhor no centro do país, quiçá em outros estados ao norte ou nordeste, ainda menos familiarizados com a história desse descendente de alemães que chegou a dar a volta ao mundo com o seu talento e a tocar ao lado de nomes como Sérgio Mendes, Tom Jobim, Elis Regina, Carlos Lira e Antônio Solero.

Argus Montenegro foi considerado um dos mais virtuosos bateristas de todo o Brasil, e até do mundo, pela crítica especializada, no auge do seu trabalho, entre os anos 1960 e 1980. Por isso é muito oportuna a iniciativa do diretor Pedro Lucas, que assina também o roteiro – ao lado de Ivanir Migotto e Dimitre Lucho – e da produtora Aletéia Selonk, coordenadora da Okna Produções, a mesma responsável por outros elogiados trabalhos que no último ano ganharam as telas, como Walachai, de Regina Zilles, e A Última Estrada da Praia, de Fabiano de Souza. Ainda mais após o falecimento de Montenegro, em 2008, antes mesmo do término das filmagens deste documentário. Assim, a obra ganhou uma dupla função: além de resgatar o trabalho e o talento deste artista singular, também irá preservar a memória de um homem excepcional.

Com um personagem tão único quanto Argus Montenegro, o diretor e sua equipe foram muito sábios e tomaram a decisão acertada de explorá-lo ao máximo, procurando o mínimo de intervenções gráficas, sem perder tempo com invencionices na sala de montagem ou em distrações com histórias paralelas ou com outros testemunhos. Argus fala, e bastante, sobre todos os assuntos que foram importantes em sua vida: o início da carreira, suas relações amorosas, as companheiras, o ritmo em família, as decisões que guiaram seu trabalho, os parceiros, os arrependimentos. Ao mesmo tempo, vamos acompanhando o próprio desenvolvimento e o crescimento da música nacional, pelos lugares em que ele passou e, principalmente, se apresentou. De uma pequena casa no bairro Glória, distante do centro da capital gaúcha, ouvimos a voz de um homem que encantou com seu talento plateias por todo o Brasil e até no exterior, por onde viveu por mais de uma década. E A Instabilidade do Tempo Forte ganha força justamente neste ponto, dando espaço para quem há muito tempo já havia sido esquecido.

Ágil e bastante curto – pouco mais de 70 minutos de duração – Argus Montenegro e a Instabilidade do Tempo Forte possui um título grande que pode assustar, mas a simpatia da figura retratada conquista qualquer um em pouco tempo. Belo exemplar da nova safra de documentários nacionais, essa é uma obra que possui um importante caráter didático e histórico, além dos seus méritos cinematográficos. Num país tão acostumado a esquecer suas glórias, aqui temos um exemplo contrário que se destaca no cenário atual. Argus Montenegro pode ter partido, mas o que aqui fez ganhou um respeitoso registro que, acima de tudo, honra alguém que não se acomodou com a mediocridade e cavou seu espaço a despeito de todas as dificuldades possíveis. Um exemplo de vida que merece ser descoberto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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