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Sinopse

Aos 30 anos, Sasha morre repentinamente durante o verão. Por conta disso, seu companheiro, Lawrence, e sua irmã, Zoé, são quase obrigados a se aproximarem. Os dois vão compartilhar essa dor de um luto que parece não acabar.

Crítica

A morte e a dor da perda surgem de modo inesperado em Aquele Sentimento do Verão, segundo longa do francês Mikhaël Hers, quando a jovem Sasha (Stéphanie Daub-Laurent) é acometida de um mal súbito fulminante após um dia comum de aula na faculdade de artes, em Berlim. Toda a bela sequência de abertura, de seis minutos praticamente sem diálogos, que acompanha a garota em sua rotina acadêmica naqueles que viriam a ser seus últimos momentos de vida, evidenciam as principais qualidades da direção de Hers: a maneira precisa com que trabalha os silêncios e a fluidez dos movimentos de câmera e da condensação de imagens. Predicados que fortalecem a investigação do sentimento de luto que se abate sobre Lawrence (Anders Danielsen Lie), namorado de Sasha.

Adotando uma abordagem que preza pela sutileza, o cineasta expõe a tentativa de reconstrução após a tragédia através do retrato íntimo do cotidiano do personagem, gerando uma identificação imediata do espectador com seus dramas. Assim, acompanhamos Lawrence discutindo os arranjos cerimoniais com os pais da namorada (Marie Rivière e Féodor Atkine), buscando conforto na companhia de amigos, como June (Lana Cooper), que o abriga nos dias seguintes ao funeral, ou retornando para seu agora solitário apartamento. O peso da ausência da amada transparece na postura e no olhar do norueguês Anders, que reafirma aqui o talento já demonstrado no excelente Oslo, 31 de Agosto (2011), de Joachim Trier, apostando numa atuação minimalista, mas sempre sincera e carregada de emoções. Assim como fizera na passagem inicial - acompanhando Sasha e fazendo crer ser ela a protagonista, para em seguida romper com essa expectativa -, Hers novamente foge da estrutura convencional, abandonando momentaneamente a figura de Lawrence e direcionando o foco para Zoé (Judith Chemla, ótima), irmã de Sasha. Também encarando uma jornada de superação, ela ainda se vê as voltas com outras dificuldades, como a tarefa de criar seu filho frente ao gradativo distanciamento no relacionamento com o marido ou a preocupação com o estado emocional da mãe. Após estabelecer a personagem, o cineasta alterna o protagonismo entre ela e Lawrence, bem como a ambientação da história que, ao longo de três verões, se desloca entre Berlim, Paris, Annecy - local da casa de veraneio da família de Zoé - e Nova York, onde vive Nina (Marin Ireland), irmã de Lawrence.

Mantendo um senso de observação atento aos detalhes, Hers constrói uma narrativa que exala naturalidade, tanto em seus diálogos quanto situações corriqueiras, que invariavelmente abrem espaços para a reflexão. Da aparente simplicidade desse desenvolvimento vem a força do longa, que faz com que ele pareça tão próximo ao público, como se esse fizesse parte do universo visto na tela. A mesma sensação de veracidade se estende a todos os personagens, incluindo os coadjuvantes, que conservam grande dose de humanidade, como Ida (Dounia Sichov), funcionária de Nina que se aproxima de Lawrence, ou Thomas, amigo e infância do protagonista, vivido por Joshua Safdie, diretor de filmes como Amor, Drogas e Nova York (2014). Sua presença, assim como a participação do músico Mac DeMarco, reforça a aura indie do projeto, mesclando uma sensibilidade europeia aos arquétipos do cinema independente norte-americano. Essas influências podem ser notadas especialmente no campo estético, com o registro granulado em 16mm gerando uma aparência retrô e acentuando o ar bucólico de certas passagens. Os contatos com a natureza são constantes – nos parques, no lago, na praia – representando refúgios para o caos das metrópoles, cujo aspecto urbano Hers também valoriza através dos ambientes dos bares, clubes e terraços de edifícios. Esses cenários abrigam o relacionamento marcado por sentimentos conflitantes entre Lawrence e Zoé, que se torna o mote central do filme. A falta de Sasha parece quase palpável para ambos, que enxergam um no outro um meio de manter sua lembrança viva, além de servirem como amparo para aliviar o sofrimento. O diretor explora essa dinâmica com delicadeza, chegando até mesmo a sugerir a possibilidade de um envolvimento romântico, gerando uma fina tensão sexual entre os dois que se confunde com um afeto quase fraternal.

Seguindo a linha empregada desde o início, Hers evita saídas óbvias também para a questão dos laços entre Lawrence e Zoé, conduzindo a trama a um desfecho sem resoluções definitivas, num espelho da realidade, sempre em constante reinvenção. Esse tratamento faz com que o drama exposto seja compreensível por qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, algo que condiz com pluralidade étnica do elenco e seus personagens, e até com própria ocupação de Lawrence: escritor que, depois de seu livro de estreia, passou a trabalhar como tradutor. Assim, Hers atinge a universalidade inerente ao luto, que não possui prazo ou fórmula para ser combatido, e recorre à imagem do mar como símbolo do início de uma nova etapa. É com o plano final na praia que o diretor oferece a Lawrence a oportunidade da libertação para reencontrar a paixão e até a inspiração para voltar a criar. Uma sequência envolta numa melancolia nunca sufocante e que, aos poucos, deixa revelar uma sensação calorosa e iluminada de esperança.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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