Crítica

O DJ Duda é um daqueles empreendedores que transitam por vias alternativas. Produtor independente, ele anima clubes noturnos da periferia de Brasília apostando em ritmos de forte apelo popular, como o sertanejo e o funk. Grava suas mídias em casa, com a colaboração da família. Uma das filhas cuida das cópias, enquanto os demais as embalam. Sua esposa, a cantora Milka Reis, é a estrela do CD com boa saída nos pontos de ônibus, na rodoviária e nas bancas do comércio informal. Aprendi a Jogar com Você documenta o cotidiano desse empresário/artista que arregimenta músicos, vendedores, donos de palcos de show, encabeçando assim uma cadeia complexa, repleta de malandragem e criatividade, cuja função principal é disseminar entretenimento a preços módicos.

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O diretor Murilo Salles segue de perto os passos de Duda, deflagrando a sagacidade e os atributos menos louváveis desse homem de negócios que sabe o caminho das pedras. Na primeira parte, “Verão”, tomamos contato com os processos que ele estruturou para ganhar dinheiro e fazer sucesso. A mixagem do CD, a negociação com os comerciantes, a contratação dos profissionais, tudo é feito pelo DJ ou diretamente supervisionado por ele. Aprendi a Jogar com Você cresce na medida em que sugere seu protagonista como símbolo dos numerosos alguéns que, ao invés de buscarem adequar-se ao difícil e já instituído mercado, criam possibilidades paralelas, responsáveis, inclusive, por atender uma fatia do público nem sempre contemplada. Duda trabalha incessantemente, é um realizador nato.

A segunda parte, “Inverno”, mostra percalços, dificuldades financeiras e divergências domésticas. Há uma ampliação do personagem que não se furta de mencionar táticas para transferir culpa em caso de insucesso ou de sugerir ao diretor um final obviamente feliz e favorável, nem que para isso seja preciso recorrer à ficção. Infelizmente, Murilo Salles subaproveita o potencial desse palpite para “corrigir” a realidade, valendo-se dele apenas na breve e derradeira fração intitulada “Pesquisa”. Aprendi a Jogar com Você desperdiça, de maneira semelhante, a oportunidade oferecida pela transação de Duda com o poder público, mais precisamente a necessidade de ele lidar com burocracias alheias ao seu método diário. Outro ponto frágil, a interação entre Duda e Milka Reis soa levemente artificial no começo. O estranhamento é minimizado gradualmente pelo costume dela com a presença da câmera.

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Aprendi a Jogar com Você atinge maior relevância quando usa a experiência e os procedimentos registrados como pilar de uma construção atenta à indústria cultural paralela e às suas normas próprias. Claro, por si só, uma figura como Duda, que confessa rindo as artimanhas das quais lança mão para garantir êxito, que convoca o filho pequeno a colaborar no pagamento das despesas da casa, e que investe na carreira da esposa para, igualmente, aumentar a lucratividade familiar, gera interesse. Entretanto, o que impede a narrativa de desvencilhar-se totalmente da banalidade é a inclinação de Murilo Salles ao pitoresco e o flerte com o julgamento distanciado dos comportamentos e das ações, via de regra, realmente questionáveis do protagonista. Sobra pouco espaço para confrontar os testemunhos e as complexidades que se insinuam sem, todavia, impor-se.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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