Crítica


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Sinopse

Alice já passou dos 40, e em sua vida experimentou grandes amores e, com eles, alegrias e decepções. Ela sempre recomeçou, e nunca tinha perdido a esperança até que o homem da sua vida se foi. Desta vez, ficou sem expectativa, sem recomeço. Alice está em seu luto, sozinha com seus fantasmas e seus momentos. Ela quer ver o mundo e descobrir outros lugares, outras formas de viver, por isso parte em busca de si mesma.

Crítica

De passagem relâmpago pelos cinemas nacionais, o drama Another Forever – melhor tratar pelo título internacional, ao invés do genérico Para Sempre, igual ao romântico Para Sempre (2012) ou ao religioso Para Sempre (2016), por exemplo – merecia melhor sorte. No entanto, segundo o diretor Juan Zapata – colombiano radicado no Brasil – “é mais fácil programar um lançamento nos cinemas da China – ou na Europa, ou em qualquer outro país da América Latina – do que no Brasil”. Pode ser que sim, mas de qualquer forma é inevitável pensar que tal longa merecia melhor sorte junto ao público nacional. Isso porque, apesar de ter no elenco nomes como o do colombiano Marlon Moreno (Caçando Vagalumes, 2013), do alemão Peter Ketnath e da norte-americana Barbara Scolaro (Pearl Harbor, 2001), quem merece atenção de fato é Daniela Escobar, em seu melhor trabalho nas telas – tanto na grande quanto na pequena.

Assim como a menina de Lewis Carroll estava sempre atrás de uma aventura, Alice (Escobar) não tem medo de seguir seus instintos. No entanto, ela já não possui mais a inocência da juventude. É uma mulher vivida, sofrida, que carrega sua cota de dores. A maior delas – ou a que lhe abate no momento em que a conhecemos – fala da perda precoce de seu grande amor, John (Moreno). Em um certo momento, ao recordar da vida feliz que começou a desenhar ao lado dele naquele apartamento, se vê diante de um quadro cuja pintura é o desenho de uma mulher de costas. Essa, está diante de uma janela. Observando o que? Não sei, ela não sabe, talvez nem a própria figura soubesse. Esse é o mistério, questionar-se a respeito destas possibilidades. Mais ou menos como Alice. Ela olha para tudo, porém nada enxerga. Sua luz foi retirada. Não há mais amor, apenas um sofrimento que parece não ter fim. Há dois caminhos, apenas: entregar-se, ou resistir. E ela não é uma mulher que foge da luta.

Ser do mundo é uma condição inerente a existência contemporânea. As pessoas acordam em suas casas, mas logo estão conectadas com todos os destinos, seja pela televisão, telefone ou redes sociais. O mundo está, literalmente, na palma da mão. Zapata está atento aos detalhes, e faz do seu filme uma obra em sintonia com essa realidade. Alice não está sozinha, por mais desamparada que pareça. E se o horizonte de sua janela lhe parece restrito, há muito ainda a ser explorado. Assim, como se fosse ao café da esquina, ela não se importa em atravessar oceanos para estar próxima daqueles cujos sentimentos que emanam faz a diferença. Mas essa não é uma jornada de fins, muito pelo contrário. O caminho até eles é tão importante quanto.

E será por um destes trajetos que seu percurso irá cruzar com o de Tom (Ketnath). Fotógrafo, ele se apresenta diante do estereótipo do gênero: desgarrado, rebelde, sedutor. Seria ele o início de algo novo – ou parte daquilo que precisa ser deixado para trás? Talvez os dois, ou quem sabe nada disso. Buscar respostas pode não ser o melhor a se fazer em uma situação como essa. Afinal, há instantes na vida em que tudo está resumido justamente naquele momento, deixando de lado o que veio antes ou o que irá se suceder depois. É preciso saber viver o agora. Tom não significa dizer adeus a John, assim como ignorar o que se apresenta nada diz sobre o que existiu com o aquele que já se foi. Os contextos são outros, podem até ser complementares, pois partes de uma mesma história, mas independentes entre si. Formam esse todo que é Alice, ligados a ela, e não o contrário.

Juan Zapata, também autor do roteiro ao lado de Escobar, resvala perigosamente em cenários que conduzem o espectador até o clichê mais previsível para, somente no último instante, revelar outras possibilidades. Assumidamente tão feminino quanto feminista, Another Forever tem na sua protagonista a força motriz que o conduz. Pode não ser um filme fácil de ver – assim como não deve ter sido simples de ser feito – mas reserva aos mais atentos observações perspicazes sobre o discurso que defende. A mulher não perdeu parte de si, ela segue sendo um todo, independente do quão debilitada possa parecer. Reencontrar-se, portanto, é um processo maior do que apenas voltar a sorrir. Pois esse precisa vir de dentro, e não apenas reaparecer na superfície. Daniela entende a personagem e a oferece ao mundo com sutileza. E a parceria da atriz com o diretor se revela acertada no momento em que ambos compartilham dessa sensibilidade. Alice sabe que o mundo à espera. E ninguém além dela poderá reavê-lo para si mesma.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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