Crítica

Por sugestão de seu psiquiatra, um jovem rapaz esquizofrênico passa a gravar seus dias com uma câmera de vídeo. Tudo para que o tratamento surta mais efeito e que o doutor consiga mais subsídios para ajudá-lo. O plano vai por água abaixo quando o rapaz é encontrado morto em uma banheira. Uma investigação se inicia e, claro, o psiquiatra é chamado para depor. Muito embora a agente responsável diga que não se trata de um interrogatório, o sujeito passa a se sentir mais e mais acuado, até que nota um estranho padrão no comportamento da investigadora. Em resumo, isso é Anômalo, co-produção entre Espanha e Estados Unidos, comandada pelo estreante Hugo Stuven Casasnovas.

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Narrativamente falando, o longa-metragem consegue capturar o interesse do espectador, utilizando o advento das gravações como uma forma inteligente (embora nada inédita) de quebrar o tempo narrativo da trama. Com as informações que nos são reveladas no início da história, vamos tentando montar o quebra-cabeça, ainda que entendamos com o desenrolar dos fatos que nem tudo é o que parece em um primeiro momento. No papel do psiquiatra, o ótimo ator espanhol Lluís Homar, famoso por seus trabalhos com Pedro Almodóvar como Má Educação (2004) e Abraços Partidos (2009), comanda o show, mostrando vulnerabilidade na medida certa, dando relances de que esconde esqueletos no armário. Uma pena que sua parceira de elenco, Christy Escobar, atriz que vive a investigadora Maia Kensington, tenha uma performance tão monocórdia, tão plana. Entende-se que o background dela é um dos mistérios da trama, mas a revelação não chega a ser uma surpresa muito por causa dessa forma tão artificial de entregar o texto. Da forma como se dá, é impossível acreditar que ela teria algum tipo de vantagem psicológica em cima do seu oponente.

Hugo Stuven Casasnovas não só dirige, como também assina o roteiro ao lado de David Zurdo e Fernando Acevedo. Mistério é a palavra chave para o trio, que muitas vezes exagera na quantidade de perguntas que vai deixando para o público, lembrando volta e meia de jogar alguma pista mais carnuda para o espectador. Por tentarem de forma tão acintosa esconder as reais motivações dos protagonistas, os roteiristas acabam por minar a experiência do público, que pode se sentir traído com o desenrolar de alguns pontos da trama. Outro senão é a inclusão de personagens que não vão a lugar algum, como o Capitão daquela delegacia, interpretado por Ben Temple, que faz nada além de tentar exercer sua autoridade com Maia. Se ele foi criado apenas para mostrar que aquela agente não tinha interesse algum em responder a alguma voz superior, existiam outras formas de fazê-lo.

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Anômalo pode exagerar no mistério, mas tende a agradar os fãs do gênero. A grande surpresa do final, no entanto, não paga o tempo que ficamos no escuro durante boa parte da trama. Não fosse a interpretação hipnótica de Lluis Homar e o bom recurso narrativo utilizado, o filme de estreia de Hugo Stuven Casasnovas passaria batido. Se tivéssemos ao menos uma atriz mais veterana fazendo frente ao talento de Homar no papel principal e a história seria completamente diferente.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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