Crítica

Se triângulos amorosos são um recurso relativamente comum no cinema, o que o drama policial Amor Fora da Lei propõe de diferente dentro deste subgênero é justamente o seu carinho e respeito para com seus personagens principais. O argumento é simples – casal de bandidos é pego após um assalto mal sucedido e, com o marido preso, a esposa e o policial que o prendeu começam a se aproximar – mas são os cuidados com os quais o diretor e roteirista David Lowery toma ao apresentar os protagonistas, seus traumas, as histórias daqueles que os cercam e suas verdadeiras motivações, sempre reveladas com calma e muita tranquilidade, que justificam o destaque recebido. Além disso, há uma atenção especial em todos os aspectos técnicos, desde a trilha sonora até a fotografia, passando por uma direção objetiva que sabe exatamente o que quer. E é esse conjunto, a despeito da falta de originalidade do enredo central, que fazem deste um filme diferenciado.

Logo nas primeiras cenas acompanhamos uma discussão entre Ruth (Rooney Mara, a melhor em cena graças à multiplicidade de emoções que represa em seu interior) e Bob (Casey Affleck, comprometido). Ela está grávida, não aguenta mais a inconstância afetiva do namorado e o comportamento entre eles é quase infantil, daqueles que se afastam por birra apenas para que um corra atrás do outro. A solução para, enfim, construírem um futuro melhor para a família que pretendem formar é partir para uma ação criminosa. Porém, acabam encurralados, e ainda que em pleno tiroteio um comparsa deles tenha sido morto e o policial Patrick (Ben Foster, um ator sempre no limite) baleado, os dois acabam rendidos. Ele vai preso, assumindo todas as culpas. Ela termina livre, como se seu envolvimento tivesse sido meramente casual, e não intencional. A memória do incidente ganhará forma na filha que nasce meses depois e a qual essa mulher, agora mãe, terá que criar sozinha. Mas não por muito tempo, afinal, o oficial atingido permanece observando-a, ainda que de longe e não ciente de que foi ela a autora do tiro que o atingiu, e essa proximidade necessária os deixarão mais próximos do que o esperado.

Amor Fora da Lei se constrói a partir destes três dramas: o dessa garota, que precisa lidar com estes sentimentos conflitantes (a responsabilidade com a filha, a espera pelo marido retido e o surgimento dessa nova possibilidade de vida ao lado do homem da lei); o do policial, dividido entre a lei e a emoção que percebe crescer dentro de si; e o do homem que foge da cadeia e parte em busca da companheira para, enfim, dar início à família com a qual sempre sonhou. Por mais que haja ações condenáveis entre os envolvidos, é difícil assumir um dos lados, pois todos são por demais humanos e com erros muito familiares a todos nós. A identificação se dá facilmente, assim como a força com a qual esta história irá acertar cada espectador.

Outro fato interessante é o tom quase monocromático da fotografia de Bradford Young, que investe no proveito das sombras e da escuridão para indicar a personalidade de cada personagem. Quando a cor se manifesta, é excessivamente terrosa, desde o pôr do sol das cenas iniciais que circunda o reencontro apaixonado do casal até os entrelaces entre os demais tipos, apostando no interior e na profundidade de cada um para indicar suas reais intenções. Amor Fora da Lei é uma obra sensorial, quase como num flerte com o cinema de Terrence Malick, porém mais objetiva e sem tantos devaneios. Um trabalho bonito, que se destaca de outros semelhantes justamente pelo talento das partes, ainda que no todo o resultado seja pouco surpreendente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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