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Sinopse

Alice é uma jovem de 17 anos que decide seguir um coelho branco apressado, sempre de olho no relógio. Ela entra em um buraco que a leva ao País das Maravilhas, um local onde esteve há dez anos, apesar de nada se lembrar dele. Lá é recepcionada pelo Chapeleiro Maluco e passa a lidar com seres fantásticos e mágicos, além da ira da poderosa Rainha de Copas.

Crítica

Quem gosta de Tim Burton e de sua visão bastante particular sobre as mais variadas histórias provavelmente sairá satisfeito da sessão de Alice no País das Maravilhas, reimaginação do cineasta para as aventuras dos personagens de Lewis Carroll. Isso porque o filme, assim como Batman (1989), O Planeta dos Macacos (2001) e A Fantástica Fábrica de Chocolate (2006), segue a peculiar ótica do cineasta. É a leitura de Tim Burton para aquela história. Ou seja, não espere uma versão fiel do clássico de Carroll, nem uma adaptação açucarada aos moldes da animação Disney de 1951. O que Tim Burton oferece é uma interpretação diferenciada, por vezes reverencial, por outras, bastante livre. De novo, nada diferente dos outros trabalhos do cineasta que bebiam na fonte de personagens já conhecidos pelo grande público. Assim como estes outros títulos da filmografia do cineasta, este trabalho deverá sofrer pesadas críticas pela sua liberdade em brincar com tais personagens. Mas não é apenas isso que faz com que o resultado não seja tudo isso. O buraco do coelho é bem mais embaixo.

O roteiro é de Linda Woolverton (O Rei Leão, 1994) que, pela primeira vez, assina sozinha um script para longa-metragem. Baseando-se nos livros Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, ambos de Lewis Carroll, Woolverton mistura as tramas de ambos os livros e tenta imaginar como a vida da protagonista estaria dez anos depois da primeira aventura.

No filme de Burton, Alice tem 19 anos, é interpretada por Mia Wasikowska, e tem um casamento em vista com um rico lorde britânico. No entanto, a moça não sabe ao certo se é isso que deseja para sua vida. Ao observar um coelho correr apressado pelos jardins de sua provável futura sogra, Alice o persegue e acaba caindo no buraco do roedor, entrando novamente no mundo fantástico que havia visitado tempos atrás, mesmo não se lembrando deste fato. Lá, reencontra o gato de Cheshire (com voz de Stephen Fry), o coelho branco (voz de Michael Sheen), a lagarta azul (voz de Alan Rickman), a Lebre de Março (voz de Paul Whitehouse) e, claro, o Chapeleiro Louco (Johnny Depp). Vivendo sob o jugo da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), os habitantes daquele lugar vibram com o retorno da provável Alice, que deve cumprir a profecia e matar o perigoso Jabberwocky (voz de Christopher Lee) para que a Rainha Branca (Anne Hathaway) possa reinar novamente. Mas será que a moça terá a coragem de fazer o que o oráculo em forma de lagarta previu?

O problema de Alice no País das Maravilhas está, basicamente, no roteiro. Os devaneios oníricos de Carroll, que fizeram o sucesso dos dois livros, se transformam em mero pretexto para uma aventura mediana comandada por uma Alice guerreira e por um chapeleiro que de louco tem apenas a aparência. Essa mudança drástica em características dos personagens acaba por afastar por demais o material original da adaptação, criando uma inevitável resistência por parte do espectador. O Chapeleiro sempre foi centrado em si mesmo (e seus devaneios), assim como o gato de Cheshire. O egocentrismo destas figuras era uma de suas principais características e são usurpadas nesta adaptação.

É verdade que nem todas as mudanças incomodam. A criação de um misto entre a Rainha de Copas e a Rainha Vermelha em um mesmo personagem, defendido de forma divertidíssima por Helena Bonham Carter, é uma das boas criações da roteirista Linda Woolverton. Seu capanga e amante, Stayne, o valete de Copas (Crispin Glover, de De Volta para o Futuro, 1985), também é uma adição interessante à trama. O próprio Chapeleiro tem seus bons momentos, mesmo sendo totalmente diferente do original. Johnny Depp é o ator que tem a carreira pregressa perfeita para credenciá-lo a viver o Chapeleiro nos cinemas. Fazendo sua própria versão do personagem, ele captura a atenção sempre que está em cena. Com cabelos cor-de-laranja, pele pálida e pupilas assimétricas, a composição do personagem acaba sendo mais interessante do que o próprio. Para um Chapeleiro Maluco, suas ideias e atitudes pareceram bastante sãs. O total contrário é verdadeiro ao pensar na Lebre de Março, insanidade em pessoa na mesa do chá e uma ótima transposição para as telonas.

Em seu primeiro trabalho de destaque em um longa-metragem, Mia Wasikowska se mostra ainda bastante verde para carregar uma protagonista. Covardia colocá-la para contracenar ao lado de atores tão talentosos – mesmo que presentes, em sua maioria, com suas vozes apenas. A jovem atriz não chega a comprometer, mas nota-se que ainda tem um longo caminho pela frente. Confesso que preferia assistir a uma versão mais jovem de Alice, como nos é mostrado no prólogo ou em um flashback totalmente reverente ao clássico da Disney de 1951.

Se a história de Alice no País das Maravilhas não é, digamos, maravilhosa, a direção de arte, os figurinos e a fotografia dão um banho de criatividade. Pode se dizer muitas coisas sobre Tim Burton, menos que seus filmes não possuem um estilo próprio e visual acachapante. Seu novo longa-metragem não foge a regra, trazendo uma “Underland” expressionista, viva e colorida. São tantos os detalhes em cada cenário que é difícil prestar atenção em tudo em apenas uma olhada. Nesse caso, o 3D acaba atrapalhando mais do que ajudando. Para uma melhor fruição do visual de Alice, aposto que a boa e velha versão em 2D deve ser mais interessante.

Com seus altos e baixos, Alice no País das Maravilhas acaba sendo um bom filme, com ressalvas. Entretém o bastante, tem um ótimo elenco, a sempre competente música de Danny Elfman e um visual fantástico. Peca na falta de conteúdo, por ser apenas uma aventura sem os simbolismos e o charme dos escritos de Lewis Carroll. E escorrega totalmente em seu desfecho, com uma visão meramente mercantilista, provando que Burton não sabe como fechar histórias que não são suas. Ou alguém já se esqueceu do fim de O Planeta dos Macacos (2001)?

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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