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Sinopse

Dentista, casada e mãe de um menino, Violeta é pega de surpresa pela mensagem do marido avisando que vai embora. Desorientada, ela perambula pelo Rio de Janeiro tentando digerir essa decisão que mudará sua vida.

Crítica

Eu não te amo mais”. Essa é, possivelmente, uma das frases mais doídas a serem ouvidas por alguém. Muito mais do que “te odeio”, “não quero mais vê-lo” ou qualquer variação. Isso porque “não te amo mais” depreende que já existiu aquele sentimento, esvaído talvez pela rotina, talvez pelo cansaço, talvez por ambos. Violeta, personagem de Alessandra Negrini em O Abismo Prateado, escuta esta frase vinda de seu marido, Djalma (Otto Jr.), que covardemente deixou gravada em mensagem de celular o desfecho do relacionamento. Perdida pelo abandono repentino, Violeta parte em busca do marido, em uma jornada emocional que acompanharemos nos mínimos detalhes, graças ao trabalho competente do diretor cearense Karim Aïnouz.

O roteiro de O Abismo Prateado é assinado pelo próprio Aïnouz ao lado de Beatriz Bracher, baseado livremente na canção “Olhos nos Olhos”, de Chico Buarque. “Quando você me deixou, meu bem, disse-me pra ser feliz e passar bem. Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci. Mas depois, como era de costume, obedeci”, cantava Buarque no disco Meus Caros Amigos, lançado em 1976. Como todo bom músico, a poesia de Chico permanece inalterável, atual, e, portanto, um belo ponto de partida para um longa-metragem que convida o espectador a partilhar de um momento doloroso na vida da protagonista.

Karim Aïnouz constrói um longa-metragem de poucos diálogos, mas de muito sentimento. Logo na abertura, ao conhecermos Djalma, não demoramos a entender que algo está errado com o sujeito. Sua expressão preocupada denota muitas ideias passando em sua cabeça. O último sexo com a esposa, sua última conversa com o filho, tudo acontece de forma desajeitada. Demoramos a entender o que está acontecendo, mas ao sabermos, tudo se encaixa. Violeta vira uma pilha de nervos e decide correr atrás do marido que acabara de abandoná-la. Uma decisão intempestiva, deixando seu filho de 14 anos para trás, pensando apenas em reencontrar o esposo e entender o que o levou a deixá-la.

O filme é um prato cheio para psicólogos. Violeta passa pelas cinco etapas da perda ao saber que está sendo abandonada por Djalma. Primeiramente, a negação e isolamento. Sem entender as razões, tentando de todas as formas entrar em contato com o marido para esclarecer o que só pode ser um mal entendido, a mulher abdica de sua casa e busca aquele homem que causou todo esse mal. Depois, parte para a raiva. Machuca a si mesma (de forma não intencional) e busca respostas aos berros com uma amiga. Violeta passa, então, rapidamente pela barganha, repetindo as tentativas de contato com o esposo, chegando logo depois à depressão – não conseguindo pegar o voo que a levaria junto a Djalma, aluga um quarto de motel para passar a noite, sozinha, e tenta até expurgar seus demônios indo a uma festa para “dançar como se nunca houvesse feito isso”, como diz a letra da música “Maniac”, hit do filme Flashdance (1983), que embala este momento. Até que, por fim, chega à aceitação – que não entrarei em detalhes como acontece, obviamente.

Alessandra Negrini está inspiradíssima, muito bem comandada por Karim Aïnouz em O Abismo Prateado. O desafio era enorme, visto que 95% do filme estamos junto dela, acompanhando sua jornada emocional pelas ruas do Rio de Janeiro. Não é fácil entregar-se a um papel extenuante como Violeta o é, mas a atriz acaba saindo-se muito bem na tarefa. Comunicando-se basicamente com olhares, Violeta transmite sua perdição, nunca entendendo totalmente o porquê do abandono. Um longa-metragem convencional faria com que alguns flashbacks nos dissessem o que aconteceu na vida daquele casal. Mas O Abismo Prateado não é nada convencional.

Depois de ter assinado os elogiadíssimos Viajo porque Preciso, volto porque te Amo (2009, co-dirigido por Marcelo Gomes), O Céu de Suely (2006) e Madame Satã (2002), Karim Aïnouz sedimenta seu nome como um dos cineastas mais talentosos e competentes do cenário nacional atual. Com pouco menos de 90 minutos de duração, sem gorduras, O Abismo Prateado é mais um capítulo impecável da carreira de um diretor, até agora, infalível.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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