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Sinopse

Divididos entre o trabalho e a diversão, cinco jovens da cidade mineira de Contagem precisarão domar seus tigres internos para sobreviver à luta cotidiana.

Crítica

O tigre está preso. O tigre está em todos os lugares. O tigre é eu e é você também. É aquele que todos conhecem e que a todos conhece, mas que ninguém vê – ou melhor, que somente é visto através dos olhos dos outros. A Vizinhança do Tigre é o nome do longa assinado pelo diretor mineiro Affonso Uchoa. Um filme que nasceu desconstruído, e foi se formando com o desenrolar dos cinco anos que levou para ser concluído. Um projeto longo, que precisou ser gestado com cuidado e atenção, até ganhar escopo e importância. Nascido de uma vontade de falar de si mesmo e do mundo através de um prisma muito particular, este é um trabalho sobre tudo e sobre o nada, sobre a vida na periferia e sobre aqueles que almejam mais, sem, no entanto, encontrar os meios adequados para tanto. Há muito a ser dito por trás de cada frame da produção. E, como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio.

Cinco personagens compõem o núcleo da trama de A Vizinhança do Tigre. Juninho é o cara descolado, que sonha alto. Neguinho é o malandro inocente e ingênuo. Menor quer ser como os outros, mas lhe falta experiência. Há ainda Eldo e Adilson, jovens como os demais que vivem distantes demais de onde as coisas acontecem e, por isso, precisam fazer do mundo que lhes cerca uma realidade minimamente atraente. Eles moram no bairro Nacional, região composta por favelas e moradias simples na cidade de Contagem, interior de Minas Gerais. “Mas você pensa que só no Morro do Alemão, que só no Rio de Janeiro esse tipo de coisa acontece?”, um deles pergunta a certo ponto da história. Pois é, o que vemos aqui está muito mais próximo do que a geografia nos levaria a acreditar.

O começo é devagar, como se não soubesse exatamente para onde seguir. E a impressão é correta – quando as filmagens tiveram início, ninguém sabia exatamente o que iria acontecer a partir daqueles registros. Tanto que quase 50% do longa é ambientação, os garotos interagindo um com os outros, a câmera passeando pela região, os hábitos sendo revelados. O desejo de ter uma casa melhor, o roubo de tangerinas da árvore do vizinho, o sonho por uma arma que acabe com todos sem piedade, a investida incipiente no tráfico de drogas, a disputa em versos de rap. Os adultos praticamente inexistem, é um mundo em que crianças amadurecem cedo, não há mais tempo para brincadeiras infantis – apesar delas estarem sempre por perto, porém com riscos muito maiores.

Uma trama mais delineada, nos moldes tradicionais, é desenhada somente no terço final de A Vizinhança do Tigre – e talvez tivesse sido melhor que ela fosse dispensada. O drama é clichê, sua conclusão é óbvia. A naturalidade tão prezada desde o princípio abre espaço para um ensaio mal feito, quase artificial. Os protagonistas interpretam a si mesmos, a ideia do documentário se desfaz, a ficção é fraca diante tanta verdade. Mas a proposta segue sendo válida. Affonso Uchoa conseguiu fazer um filme pessoal, que olha para o próprio umbigo e, assim, se comunica com o mundo. O resultado imediato foi o prêmio de Melhor Filme pelo Júri da Crítica da 17° Mostra de Cinema de Tiradentes e os aplausos entusiasmados recebidos após a exibição na mostra competitiva do III Olhar de Cinema, o festival internacional de Curitiba. Ratificações a um talento repleto de energia, que apenas comprovam aquilo que os sentidos já haviam percebido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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